segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A LÓGICA DO NEURÓTICO OBSESSIVO


* Jorge Roberto Fragoso Lins

Segundo a psicanálise, o obsessivo é um indivíduo que foi investido pelo desejo materno como objeto privilegiado de seu investimento fálico, tornando-se um eterno nostálgico do “ser”, ou seja, de ser o falo da mãe, ou melhor, dizendo, de ser o suplente que irá preencher um vazio. Vazio provocado por uma lacuna que existe na relação entre a mãe – mulher e o marido.

A nostalgia do obsessivo está na lembrança de um modo de relação que a mãe manteve com ele, uma relação que o colocou em posição de passividade sexual, e é justamente essa posição que produz o gozo no obsessivo, em outras palavras, a criança é induzida a uma incitação à passividade. A mãe busca um complemento de sua satisfação e chama o filho a suprir a falha que existe em seu gozo materno. Não confundamos tal comportamento como um ato perverso.

Para melhor compreensão vamos estabelecer uma diferença entre à lógica da neurose-obsessiva e à lógica da perversão. No primeiro, trata-se de uma suplência à satisfação do desejo da mãe por considerar que a satisfação que a mãe tem com o pai é insuficiente. Na neurose obsessiva do ponto de visto edipiano existe o reconhecimento do pai e da castração. Já, no segundo, não existe o recalque, portanto não existe o reconhecimento da instância da lei, ou seja, do pai, mas uma renegação (Verleugnung), que corresponde a uma dupla posição a um só tempo. Existe o reconhecimento de que a mãe não tem o falo, mas também a negação desse reconhecimento.

Na representação da criança a mãe tem o falo, mas esse falo é deslocado para um fetiche, e assim renega-se a diferença sexual, ou seja, todas as mulheres têm o falo, a saber, o pênis. No que se refere à relação tripartite, pai, mãe e filho, o primeiro é excluído, ou pela ausência de um amor entre o casal, ou por falta de desejo desse homem por essa mulher ou vice-versa, ou porque o pai é extremamente fraco. Enfim, a relação mãe-filho é uma relação extremamente colada – que fique claro que essa relação colada da qual me refiro não é a simbiótica que favorece as psicoses – e o filho torna-se objeto de desejo da mãe. Tomo um exemplo de um caso que tive conhecimento por uma professora da pós em psicanálise da qual cursei, que uma mãe continuava amamentando um filho que já havia completado quinze anos de idade. Tal ato configura-se em uma relação sexual entre mãe e filho, em um incesto. Portanto, em um ato perverso.

Tecidas as devidas diferenças entre as duas lógicas, retomaremos a lógica obsessiva. A mãe do obsessivo apareça aos olhos do filho como parcialmente insatisfeita, como um vazio a ser preenchido por ele. Nessa relação o filho ocupa uma posição de suplência de um gozo que a mãe não possui na relação com o companheiro. É importante lembrar que ocupar o lugar de objeto de suplência do desejo da mãe é ocupar a suplência da satisfação do desejo materno, por achar que a satisfação que a mãe tem com o pai é insuficiente.  

A mãe que age dessa forma deixa a criança presa a uma condição de suplência, e como tal experiência ocorre prematuramente à criança aferrar-se ao desejo insatisfeito da mãe. Será através de sua identificação fálica, ou seja, de sua  passividade sexual em relação à mãe, que a criança obsessiva passará pela passagem do “ser” ao “ter”. Esta passagem terá um complicador em especial para o obsessivo que não tem para os outros neuróticos. O que deveria ser apenas uma  insatisfação ao transitar do lugar do “ser” para o “ter”, ocorre uma retenção, ou seja, o sujeito fica preso na relação de suplência que mantém com a mãe, isso porque a criança não conseguiu mediatizar seu desejo. O obsessivo não deixará de lembrar a que ponto essa experiência precoce de prazer com a mãe constitui para ele um obstáculo na economia do seu desejo. A criança que é colocada como objeto de suplência é extremamente seduzida pela mãe que a induz a uma incitação sexual e, consequentemente, a um gozo. Este gozo prematuro, extremamente provocante e incestuoso será também o pior dos fantasmas, o pior dos pesadelos para o sujeito.

Todos nós sabemos que o desejo só se constitui quando existe a falta. Será por ser marcado pela falta que o indivíduo se torna um sujeito desejante. No neurótico obsessivo, entretanto, a mãe não concede o tempo da falta sufocando a criança com o seu desejo. Na dinâmica do desejo é importante dizer que ele se separa da necessidade para então formar-se em demanda. No obsessivo, no momento em que o desejo é separado da necessidade, ele é imediatamente tomado pela mãe insatisfeita que encontra aí um objeto de suplência possível.

O caráter do desejo do obsessivo é sempre apressado ou, melhor dizendo, apressa-se em ter a posse do que quer, ou seja, não é para onde e nem tampouco para amanhã, mas para já! Por que o obsessivo se comporta dessa maneira? Porque o seu desejo é carrega para insígnia da mãe, ou seja, está e sempre esteve carrega pelo fazer da mãe que não concedia o tempo necessário reservado para o imperativo e exigência da necessidade produzir uma demanda, uma demanda de amor, que pudesse existir o que é mais precioso na constituição subjetiva do sujeito, a saber, a falta.

O acesso ao universo do desejo e da própria lei – figura de autoridade – para o obsessivo constitui algo problemático já que, tal relação reaviva a imago paterna ou, melhor dizendo, reaviva a relação que mantém com o pai. O obsessivo é extremamente vulnerável a perda, a perda de algum objeto lhe reporta à castração e, portanto, a uma falha em sua imagem narcísica.

Os obsessivos como tem dificuldades em formular uma demanda se sentem obrigados a assumir o lugar de objeto do gozo do outro, repetindo assim, o papel que sempre tiveram. Coloca-se numa condição favorável de tudo para o outro, e como já mencionamos, não suporta perder tal posição e busca de toda forma controlar e dominar para que o outro não lhe escape isso porque a perda de alguma coisa lhe reporta à castração e a uma falha em sua imagem narcísica.

Não é que não exista desejo no neurótico obsessivo, mas a forma de como ele vai lidar com o seu desejo é que será problemático já que, tal condição de demandar partia da mãe. No entanto, quando o mesmo acontecer terá sempre o selo do imediatismo. O desejo do obsessivo comporta sempre a marca cruel da necessidade. Necessidade de quê? De permanecer na eterna suplência de favorecer o desejo e o gozo da mãe.  Os obsessivos são os nostálgicos do “ser” que lembram sempre a relação que tiveram com a mãe, estando eles presos a esta relação.

O obsessivo tem uma relação de rivalidade com o pai e ao mesmo tempo de culpa, pois ele busca substituir o pai junto à mãe. Essa relação transpassa para o comportamento desse sujeito na vida social. A preocupação em ter o lugar do pai leva o obsessivo a todas as lutas para obter prestígio, a combates grandiosos e dolorosos e é detentor de grande perseverança. Acrescenta-se a destruição do complexo de Édipo a degradação regressiva da libido; o Supereu torna-se especialmente severo e duro; já o Eu, por ordem do Supereu, desenvolve importantes formações reacionais que tomam a forma de escrúpulo, da piedade, da limpeza.   

O que se observa é que o obsessivo trava um forte conflito com tudo que se refere à transgressão. O sujeito aparenta ser extremamente honesto, possui um grande rigor moral, respeitador das regras e das leis, enfim, um indivíduo que apresenta um escrúpulo intocável. No entanto, toda essa legalidade revela o desejo inconsciente de transgredi-la. O obsessivo diante de seu objeto de amor tende a repetir o mesmo que sua mãe fez com ele, ou seja, vai se empenhar para que nada falte ao outro e não seja, portanto, levado a sair do seu lugar. O universo do outro deverá ser ordenado e será através dessa ordenação que nada tem de democrática, mas extremamente totalitária, que o obsessivo controla e domina a morte desejante do parceiro. Um exemplo clássico é o discurso de alguns homens que dizem: “não lhe falta nada, ela tem tudo em casa, ela não precisa trabalhar, e assim por diante. Outro aspecto da economia do desejo está no caráter da necessidade do dever que margeia a organização obsessiva do prazer.  

Formulando uma etiológica sobre a neurose obsessiva, Freud (1894 a 1905), estipula dois tempos de ordem. No primeiro tempo ele diz: houve na infância uma excitação sexual precoce (de início supostamente provocada pelo adulto, após 1897, supostamente espontânea). Se esse trauma é sofrido passivamente na histeria, por outro lado houve atividade com prazer na neurose obsessiva. No segundo, ele menciona que os afetos que dele decorrem são inconciliáveis com o Eu (Moí). Esses afetos se desprendem de suas primeiras representações para operar uma “falsa ligação” com novas representações por deslocamento.

Essa substituição representa uma defesa do Eu. Não existe recalque sem a volta do recalcado. Ao contrário da histeria que o recalcado vem através da conversão somática, na neurose obsessiva, vem por transposição para outras representações que sejam mais conciliáveis com o Eu. São estas as obsessões propriamente ditas como formações de compromisso, como auto-reprovações, inibições em agir, isolamento de uma representação, anulação de acontecimentos passados, rituais privados. As defesas do Eu se incumbem de realizar uma regressão ao estágio anal. Em seu artigo datado de 1908, “Caráter e erotismo anal”, Freud estabelece o vínculo entre o objeto anal e a neurose obsessiva com sintomas de preocupação de ordem ou de limpeza e com os de teimosia.

* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia. 



sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O COMPLEXO DE CASTRAÇÃO E A LÓGICA HISTÉRICA


* Por Jorge Roberto Fragoso Lins

Na psicanálise, o principal critério de observação para se considerar  uma estrutura clínica é mediante ao mecanismo de defesa do indivíduo frente à castração, ou seja, a forma como o sujeito reage ao defrontar-se com a falta, com a ausência do pênis no corpo da mãe e, consequentemente, como  foi realizada a operação subjetiva diante dessa descoberta. Tratando-se do neurótico o mecanismo chave é o recalcamento. O sujeito que se enquadra na estrutura neurótica ao se defrontar com a falta do pênis no corpo da mãe  efetua uma operação substitutiva que terá a seguinte passagem: de um “não-tem” por um “não-sei”. Esta operação que tem como finalidade um “não-querer-saber-nada” a respeito do horror da castração, ou seja, de ver que sua mãe foi castrada pelo pai e se ele persistir em querer ser o centro das atenções e do amor da mãe também poderá vir a ser castrado, ao alcançar a condição do “não-sei”, pode-se dizer que a operação do recalque secundário foi efetuada com êxito. Em outras palavras, a operação que o neurótico realizada é a de negar a representação criada, conservando, no entanto, aquilo que é negado no inconsciente.

Este recalque só é possível graças ao efeito do recalque originário. Segundo Freud, este é o primeiro núcleo do recalque que tem como efeito a formação de algumas representações inconscientes. O que ocorreria entre o dois recalque é explicado através de um efeito de atração, onde os conteúdos do segundo recalque seriam atraídos para o núcleo que se formou com o primeiro recalque, o originário.

No recalque secundário existe uma dinâmica semelhante à de uma quebra-de-braço, ou seja, ocorrendo um investimento do inconsciente em direção a consciência e, em contrapartida, um contrainvestimento por parte dos sistemas pré-consciente e consciente para manter a representação intolerável fora da consciência, existindo um conteúdo inconsciente que exerceria atração sobre a representação indesejável.

Para que possa existir a castração é necessário que a mãe institua o pai em seu devido lugar, a saber, de ter o falo, de ser a razão de seu desejo. Nessa dinâmica, o pai ocupará um lugar privilegiado, o de ser o ao-menos-um que fugiu a castração. Ocupando esse lugar o pai lançará sua metáfora, a saber, a Metáfora Paterna, produzindo uma operação que decidirá a vida futura desse indivíduo. Estão envolvidos nessa relação edipiana os seguintes atores: a mãe, o pai, o filho e o falo. O pai não necessariamente significará um nome. Conforme afirma Jullien, esta metáfora é uma ordem simbólica a quem se chama de pai. Será pela existência desse nome que se funda na humanidade a ordem das gerações e instaura a lei,  fazendo por onde a sociedade humana seja completamente diferente de todo arranjo natural. O nome se encontra na origem do sistema simbólico pelo qual se desenvolve toda a vida humana, a partir de um sistema independente e singular de cada sujeito. O acesso a esse nome somente acontece na via aberta pela mãe em função da castração.

O pai ao ocupar o lugar do “ao-menos-um” que fugiu a castração frente à representação do filho, já que o pai tem o que a mãe deseja, ou seja, só ele tem o falo, por si só isso já seria um grande efeito na subjetividade da criança, pois inscreveria a falta no filho por ele saber que não é o centro de todas as atenções da mãe, ou seja, existe um Outro, um rival que a mãe deseja muito. Mas para que isso aconteça de fato à mulher deve desejar esse homem e ele deve desejar essa mulher. Caso contrário, se esse homem não ocupa o lugar de desejo para ela, corre-se o risco da mulher querer ocupar o vazio que provoca essa ausência investindo o filho como objeto privilegiado do seu desejo, privilegiado em seu investimento fálico, ou seja, o filho preferido da mamãe. Quase sempre na história dos obsessivos escutam-se relatos que teriam sido os preferidinhos da mamãe.

Na medida em que a criança descobre não “ser” e nem tampouco não “ter” o falo, incia-se o declínio do Complexo de Édipo, ou seja, já estamos falando do terceiro tempo do complexo que corresponde à dialética do ter. Acaba a rivalidade fálica com o pai que agora passa a ser buscado como aquele que “tem o falo”, começando, assim, a fase da identificação simbólica, também conhecida como identificação com a insígnia paterna, que corresponde com a aquisição do Ideal do Eu. O que isso significa? Que o significante paterno foi internalizado pela criança como Ideal do Eu. Com isso, abrem-se as possibilidades para as identificações que não a do falo. O menino renuncia a “ser o falo” da mãe e, mediante a dialética do “ter o falo”, poderá se identificar com aquele que tem o falo, ou seja, o pai ou quem ocupe a função paterna. A menina também renuncia em “ser o falo da mãe” e dentro da mesma dialética do “ter”, identifica-se com a mãe sob a condição do “não ter”, fomentando o desejo de ir em busca daquele que o tem, a saber, o substituto paterno. Em ambos os casos o operador das identificações é o falo, que corresponde a uma lógica fálica, a lógica do significante que funda a castração.

A castração possui uma dialética que não se limita apenas a criança, mas também a mãe. Já mencionamos anteriormente a questão da mãe que investe o filho como objeto privilegiado do seu desejo, privilegiado em seu investimento fálico. Isso ocorre devido a uma falta que essa mãe sente e busca preencher com seu filho, ou seja, é a mesma coisa de dizer para a criança que ela é o falo da mãe, que ela é o que falta para a mãe ser feliz, que ela é o único objeto de desejo da mãe, o objeto que complementa, e assim por diante. Tal comportamento será extremamente prejudicial para a subjetividade da criança, podendo gerar inúmeros conflitos e transtornos de personalidade. Como já dissemos anteriormente, os obsessivos-compulsivos são vítimas dessas mães.

Indo mais à frente nesta questão, a mãe que investe o filho como seu objeto privilegiado, o objeto de seu desejo e, por outro lado, não confere ao marido (pai) seu lugar de direito, a saber, o objeto de seu desejo, passando por cima de sua lei, elegendo, por exemplo, o significante para o filho de “meu homenzinho”, deixando o filho dormir entre o casal já estando ele mais velho ou, mesmo, o filho dormindo na mesma cama com ela e o marido em outra ou em outro quarto, dando de mamar ao filho até uma idade que já passou e muito do período de amamentação, como por exemplo, mães que dão de mamar a filhos que já atingiram a idade de cinco, sete e até dez anos. Tive conhecimento por uma professora da pós em psicanálise da qual cursei que uma mãe amamentava um filho que tinha quinze anos de idade. Todas essas práticas mencionadas são práticas perversivas que poderão estruturar a criança numa estrutura perversa. A castração materna não acontece da mesma forma como ocorre com a criança, mas se trata de uma forma de privar o gozo da mãe em relação ao filho, evitando que a mulher mesmo que seja inconscientemente, coloque o filho para preencher a ausência do marido.

Independente que existam ou não tais fatores, a castração só de fato se efetuará quando a instância paterna produzir a ruptura da relação especial dual entre a mãe e a criança, a saber, quando a mãe permitir a entrada do pai nessa relação. Com o livre acesso do pai, o mesmo terá que executar seu papel, a saber, o do significante binário. O significante binário ou S² é o que incide o recalcamento, em outras palavras, podemos dizer que o pai se compromete em fazer uma cisão cirúrgica de separar o filho que está completamente alienado ao desejo da mãe, ou seja, ao desejo do Outro Primordial, primeira significação da qual o sujeito será efeito, instituindo, assim, a falta. Essa operação deixará um resíduo, um resto, um produto com o qual o indivíduo identificará sua “falta-a-ser”. A perda implicada nessa passagem irá determinar uma busca incessante por algo a ser recuperado, melhor dizendo, esse é o desejo inconsciente, uma busca incessante e vista por algo que falta, algo que não existe. É uma perda simbólica. Estamos, portanto, diante da segunda operação da lógica do significante. A primeira se constitui da alienação da criança à sua mãe, e a segunda, o descolamento da criança de sua mãe, ou seja, inscrever a falta na criança para que ela possa se constituir como sujeito desejante.

No campo do desejo e, consequentemente, do simbólico, a criança teve muitos ganhos, como por exemplo, o desejo de um parceiro sexual.  O processo de castração do neurótico está ligado à negação que o sujeito faz da falta, da castração, ou seja, corresponde a um processo pelo qual acontece o deslocamento do sujeito – criança – da posição de saber absoluto para se submeter a algo que lhe antecede: o saber do pai sobre o gozo materno. Como já mencionamos anteriormente, o neurótico ao se defrontar com a falta de pênis da mãe, efetua a substituição do “não-tem” por um “não-sei”. O “não-sei” é o efeito imediato do recalque. O “não-tem” que corresponde à falta de pênis na mãe se inscreve no inconsciente como um “não-sei”.  O “não-querer-saber-nada” a respeito é o motivo pelo qual, como “saber-não” sabido, esse saber surgirá no discurso. O recalque irá sinalizar para o surgimento desse não saber que virá no inconsciente como linguagem própria, pelo fato de haver um universo simbólico que nos informa ser esse sujeito sabedor de que algo se encontra recalcado.  

Na cultura, o indivíduo recorrerá a objetos que possibilitem solucionar esse “não-sei”, através do discurso intelectual, da criação, da sublimação e outros. A busca de saber mostra exatamente que o neurótico tem um saber parcial das coisas visto que, quem de fato tem o pleno saber, sendo este o saber sexual, é o pai que já tinha pleno conhecimento do enigma, o enigma de sua mãe não ter o pênis. Esse saber fica recalcado, ou, melhor dizendo, fica inconsciente, indisponível para o consciente. No entanto não desapareceu, estará sempre lá. É por isso que o indivíduo precisará encontrar soluções de compromisso para sustentar seu desejo, impossível de ser satisfeito, a saber, o desejo do incesto, segundo Freud. Em outras palavras, de ser o falo, de fazer Um com a mãe, de preencher a falta da mãe. Freud ao nomear a expressão “solução de compromisso” quis mencionar o sintoma, melhor dizendo, o fazer sintomas. Diante da estrutura neurótica encontramos três possíveis maneiras de solucionar a falta ou fazer sintoma, a saber, a histérica, a obsessiva e a fóbica.

Na histeria, o sujeito sabe sobre a existência da castração que é sempre do Outro. Idealiza o Outro como sendo um grande mestre ou um grande homem, fazendo-o potente, fazendo de conta que ele tem o falo para então se fazer amar por ele. Fazer-se amar por esse Outro pela via do amor ou da paixão, representa para o sujeito histérico provocar o desejo do Outro. A operação realizada pelo histérico de sentir-se desejado e, com isso, alimentar a ilusão de que o Outro pode lhe oferecer as insígnias fálicas com as quais possa se identificar, já que ao se identificar com a mãe – a mãe que não tem o falo –  fez com que ele também não o tivesse e como não existe um significante para o “não ter o falo” – significante da mulher –, existirá, então, a exaltação daquele que tem e pode lhe dar o que tanto ele almeja, ou seja, o falo. O que o sujeito histérico quer é apropriar-se do atributo fálico de que estima injustamente desprovido. A passionalidade da paixão do sujeito é um mecanismo característico da própria histeria para denegar a castração.

A histeria é uma forma de vivência do desejo como desejo do Outro. O sujeito só consegue desejar e se identificar única e exclusivamente pela via do amor ao Outro, a saber, do desejo do Outro. Esta é a única forma que o sujeito encontrou para driblar sua angústia de castração, sustentando seu desejo como um desejo eternamente insatisfeito. O arranjo fantasmático de uma histérica será sempre uma cena de amor ou de sedução, fazendo nascer no corpo do outro uma fornalha ardente de libido, ou seja, o “Eu Histericizante” da histérica está em pleno funcionamento. A histérica a princípio demonstra um forte erotismo genital, uma exacerbação de sua sexualidade genital, sua fala é carregada de sensualidade que provoca no outro uma imaginação com forte conteúdo erótico e, consequentemente, efeitos erógenos no corpo que faz com que o outro creia que existe de fato o desejo e a intensão de uma relação sexual, mas tudo não passa de um engodo, uma astúcia sedutora e enganosa, uma aparência, um simulacro de sexualidade que está mais próximo da masturbação e das brincadeiras sexuais infantis do que do ato sexual. O que inconscientemente a histérica (o) quer é que o ato sexual fracasse, deixando sempre seu desejo insatisfeito.

Quando nos reportamos à histeria masculina que em termos de índice é menor do que a feminina, sobressaindo esta última em relação à primeira, uma  característica que se repete é a sedução, ou seja, a sedução faz parte tanto da histeria feminina como da masculina. O histérico oferece seu amor sem se poupar, porém fiquemos cientes de que é um amor de faixada, já que o histérico é incapaz de se engajar, realmente, com a sedução. Um traço característico da histeria e de sua insatisfação é o de desejar ser amado por todos, sem perder nenhum objeto de amor, mas sem se fixar, o que irá denotar o traço de insatisfação pertinente a sua estrutura. O histérico tem uma incapacidade de gozar em uma relação sexual, pois tem a parte genital surpreendentemente anestesiada, atingida por fortes inibições sexuais, podendo existir frigidez, impotência, aversão sexual, etc.  

Outro traço da histérica está em seu sacrifício em tentar preencher o que imagina ser o prazer do outro, colocando-se sempre a serviço do outro. No entanto, existe uma intencionalidade nesse sacrifício, o de ser vista por esse outro. Esse caráter sacrificial representa a permanência da identificação com o falo do outro.  

Outros aspectos peculiares da histeria são a dramatização, a sugestionabilidade e a reação emocional inadequada. O histérico dramatiza o tempo todo e essa dramatização fica ainda maior em situações com maior apelo emocional. Quando estão doentes alardeiam de forma teatral seu sofrimento não só pela fala, mas em gestos e no próprio andar; se estão tristes, irrompem em choros convulsivos; já alegres, dão estrondosas gargalhadas.  Nas mulheres existe um acentuado exagero caricatural da feminilidade, roupas exageradas, brincos e colares que chamam atenção pela extravagância ou  tamanho; já nos homens, existe uma certa afetação. Como são extremamente teatrais são poucos fieis à verdade, existindo sempre certo adorno, verniz que falseia seu discurso. As pessoas que se utilizem das mesmas táticas de sedução e galanteios das histéricas serão vistas por elas como rivais.

As histéricas podem se tornar sexualmente promíscuas já que, como mencionamos anteriormente, elas desejam ser amadas por todos, sem perder nenhum objeto de amor, sem se fixar, o que denota o traço de insatisfação peculiar a sua estrutura.

Os histéricos são extremamente sugestionáveis e podem ser influenciados tanto por pessoas quanto por situações. Um exemplo explicativo é o de compartilhar a companhia de um doente e horas depois vir se queixar dos mesmos sintomas só por causa da convivência com a pessoa que de fato estava doente.

O corpo da histérica é marcado pelo significante que através do sintoma de conversão servirá de suporte ao sintoma que é constituído pelo campo do significante do outro. Conforme Freud, a conversão é uma manifestação somática idêntica ao desejo, onde solidariamente participam o psíquico e o somático, reportando-se a outra cena em que está em jogo uma satisfação substitutiva de uma fantasia de conteúdo sexual. Para Lacan, a histeria seria uma tentativa de identificação com um sujeito desejante cujo objeto está em posição terceira, e essa identificação só será possível pela via do sintoma que lhe serve de marca, uma espécie de registro, de inscrição dessa estrutura. Em resumo, a grande questão que ocupa a vida psíquica da histérica é sua recusa ao gozo, o seu medo de gozar, e para afastar essa ameaça de um gozo maldito e temido, a histérica inventa inconscientemente um cenário fantasístico, onde busca provar a si mesma e ao mundo que só existe o gozo insatisfeito, e para manter seu descontentamento, ou seja, a sua insatisfação, ela sempre considera o outro como decepcionante, sempre será o sujeito de sua insatisfação.


* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.