* Por Jorge Roberto Fragoso Lins
Na psicanálise, o principal
critério de observação para se considerar uma estrutura clínica é
mediante ao mecanismo de defesa do indivíduo frente à castração, ou seja, a
forma como o sujeito reage ao defrontar-se com a falta, com a ausência do pênis
no corpo da mãe e, consequentemente, como foi realizada a operação
subjetiva diante dessa descoberta. Tratando-se do neurótico o mecanismo chave é
o recalcamento. O sujeito que se enquadra na estrutura neurótica ao se
defrontar com a falta do pênis no corpo da mãe efetua uma operação
substitutiva que terá a seguinte passagem: de um “não-tem” por um “não-sei”.
Esta operação que tem como finalidade um “não-querer-saber-nada” a respeito do
horror da castração, ou seja, de ver que sua mãe foi castrada pelo pai e se ele
persistir em querer ser o centro das atenções e do amor da mãe também poderá
vir a ser castrado, ao alcançar a condição do “não-sei”, pode-se
dizer que a operação do recalque secundário foi efetuada com êxito. Em outras
palavras, a operação que o neurótico realizada é a de negar a representação
criada, conservando, no entanto, aquilo que é negado no inconsciente.
Este recalque só é possível
graças ao efeito do recalque originário. Segundo Freud, este é o primeiro
núcleo do recalque que tem como efeito a formação de algumas representações
inconscientes. O que ocorreria entre o dois recalque é explicado através de um
efeito de atração, onde os conteúdos do segundo recalque seriam atraídos para o
núcleo que se formou com o primeiro recalque, o originário.
No recalque secundário
existe uma dinâmica semelhante à de uma quebra-de-braço, ou seja, ocorrendo um
investimento do inconsciente em direção a consciência e, em contrapartida, um
contrainvestimento por parte dos sistemas pré-consciente e consciente para
manter a representação intolerável fora da consciência, existindo um conteúdo
inconsciente que exerceria atração sobre a representação indesejável.
Para que possa existir a
castração é necessário que a mãe institua o pai em seu devido lugar, a saber,
de ter o falo, de ser a razão de seu desejo. Nessa dinâmica, o pai ocupará um
lugar privilegiado, o de ser o ao-menos-um que fugiu a castração. Ocupando esse
lugar o pai lançará sua metáfora, a saber, a Metáfora Paterna, produzindo uma
operação que decidirá a vida futura desse indivíduo. Estão envolvidos nessa
relação edipiana os seguintes atores: a mãe, o pai, o filho e o falo. O pai
não necessariamente significará um nome. Conforme afirma Jullien, esta metáfora
é uma ordem simbólica a quem se chama de pai. Será pela existência desse nome
que se funda na humanidade a ordem das gerações e instaura a lei, fazendo
por onde a sociedade humana seja completamente diferente de todo arranjo
natural. O nome se encontra na origem do sistema simbólico pelo qual se
desenvolve toda a vida humana, a partir de um sistema independente e singular
de cada sujeito. O acesso a esse nome somente acontece na via aberta pela mãe
em função da castração.
O pai ao ocupar o lugar do
“ao-menos-um” que fugiu a castração frente à representação do filho, já que o
pai tem o que a mãe deseja, ou seja, só ele tem o falo, por si só isso já seria
um grande efeito na subjetividade da criança, pois inscreveria a falta no filho
por ele saber que não é o centro de todas as atenções da mãe, ou seja, existe
um Outro, um rival que a mãe deseja muito. Mas para que isso aconteça de fato à
mulher deve desejar esse homem e ele deve desejar essa mulher. Caso contrário,
se esse homem não ocupa o lugar de desejo para ela, corre-se o risco da mulher
querer ocupar o vazio que provoca essa ausência investindo o filho como objeto
privilegiado do seu desejo, privilegiado em seu investimento fálico, ou seja, o
filho preferido da mamãe. Quase sempre na história dos obsessivos escutam-se relatos
que teriam sido os preferidinhos da mamãe.
Na medida em que a criança
descobre não “ser” e nem tampouco não “ter” o falo, incia-se o declínio do
Complexo de Édipo, ou seja, já estamos falando do terceiro tempo do complexo
que corresponde à dialética do ter. Acaba a rivalidade fálica com o pai que agora
passa a ser buscado como aquele que “tem o falo”, começando, assim, a fase da
identificação simbólica, também conhecida como identificação com a insígnia
paterna, que corresponde com a aquisição do Ideal do Eu. O que isso significa?
Que o significante paterno foi internalizado pela criança como Ideal do Eu. Com
isso, abrem-se as possibilidades para as identificações que não a do falo. O
menino renuncia a “ser o falo” da mãe e, mediante a dialética do “ter o falo”,
poderá se identificar com aquele que tem o falo, ou seja, o pai ou quem ocupe a
função paterna. A menina também renuncia em “ser o falo da mãe” e dentro da
mesma dialética do “ter”, identifica-se com a mãe sob a
condição do “não ter”, fomentando o desejo de ir em busca daquele que o tem, a
saber, o substituto paterno. Em ambos os casos o operador das identificações é
o falo, que corresponde a uma lógica fálica, a lógica do significante que funda
a castração.
A castração possui uma
dialética que não se limita apenas a criança, mas também a mãe. Já mencionamos
anteriormente a questão da mãe que investe o filho como objeto privilegiado do
seu desejo, privilegiado em seu investimento fálico. Isso ocorre devido a uma
falta que essa mãe sente e busca preencher com seu filho, ou seja, é a mesma
coisa de dizer para a criança que ela é o falo da mãe, que ela é o que falta
para a mãe ser feliz, que ela é o único objeto de desejo da mãe, o objeto que
complementa, e assim por diante. Tal comportamento será extremamente
prejudicial para a subjetividade da criança, podendo gerar inúmeros conflitos e
transtornos de personalidade. Como já dissemos anteriormente, os
obsessivos-compulsivos são vítimas dessas mães.
Indo mais à frente nesta
questão, a mãe que investe o filho como seu objeto privilegiado, o objeto de
seu desejo e, por outro lado, não confere ao marido (pai) seu lugar de direito,
a saber, o objeto de seu desejo, passando por cima de sua lei, elegendo, por
exemplo, o significante para o filho de “meu homenzinho”, deixando o filho
dormir entre o casal já estando ele mais velho ou, mesmo, o filho dormindo na
mesma cama com ela e o marido em outra ou em outro quarto, dando de mamar ao
filho até uma idade que já passou e muito do período de amamentação, como por
exemplo, mães que dão de mamar a filhos que já atingiram a idade de cinco, sete
e até dez anos. Tive conhecimento por uma professora da pós em psicanálise da
qual cursei que uma mãe amamentava um filho que tinha quinze anos de idade.
Todas essas práticas mencionadas são práticas perversivas que poderão
estruturar a criança numa estrutura perversa. A castração materna não acontece
da mesma forma como ocorre com a criança, mas se trata de uma forma de privar o
gozo da mãe em relação ao filho, evitando que a mulher mesmo que seja
inconscientemente, coloque o filho para preencher a ausência do marido.
Independente que existam ou
não tais fatores, a castração só de fato se efetuará quando a instância paterna
produzir a ruptura da relação especial dual entre a mãe e a criança, a saber,
quando a mãe permitir a entrada do pai nessa relação. Com o livre acesso do
pai, o mesmo terá que executar seu papel, a saber, o do significante binário. O
significante binário ou S² é o que incide o recalcamento, em outras palavras,
podemos dizer que o pai se compromete em fazer uma cisão cirúrgica de separar o
filho que está completamente alienado ao desejo da mãe, ou seja, ao desejo do
Outro Primordial, primeira significação da qual o sujeito será efeito,
instituindo, assim, a falta. Essa operação deixará um resíduo, um resto, um
produto com o qual o indivíduo identificará sua “falta-a-ser”. A perda
implicada nessa passagem irá determinar uma busca incessante por algo a ser recuperado,
melhor dizendo, esse é o desejo inconsciente, uma busca incessante e vista por
algo que falta, algo que não existe. É uma perda simbólica. Estamos, portanto,
diante da segunda operação da lógica do significante. A primeira se constitui
da alienação da criança à sua mãe, e a segunda, o descolamento da criança de
sua mãe, ou seja, inscrever a falta na criança para que ela possa se constituir
como sujeito desejante.
No campo do desejo e,
consequentemente, do simbólico, a criança teve muitos ganhos, como por exemplo,
o desejo de um parceiro sexual. O processo de castração do neurótico está
ligado à negação que o sujeito faz da falta, da castração, ou seja, corresponde
a um processo pelo qual acontece o deslocamento do sujeito – criança – da
posição de saber absoluto para se submeter a algo que lhe antecede: o saber do
pai sobre o gozo materno. Como já mencionamos anteriormente, o neurótico ao se
defrontar com a falta de pênis da mãe, efetua a substituição do “não-tem” por
um “não-sei”. O “não-sei” é o efeito imediato do recalque. O “não-tem” que
corresponde à falta de pênis na mãe se inscreve no inconsciente como um
“não-sei”. O “não-querer-saber-nada” a respeito é o motivo pelo qual,
como “saber-não” sabido, esse saber surgirá no discurso. O recalque irá
sinalizar para o surgimento desse não saber que virá no inconsciente como
linguagem própria, pelo fato de haver um universo simbólico que nos informa ser
esse sujeito sabedor de que algo se encontra recalcado.
Na cultura, o indivíduo
recorrerá a objetos que possibilitem solucionar esse “não-sei”, através do
discurso intelectual, da criação, da sublimação e outros. A busca de saber
mostra exatamente que o neurótico tem um saber parcial das coisas visto que,
quem de fato tem o pleno saber, sendo este o saber sexual, é o pai que já tinha
pleno conhecimento do enigma, o enigma de sua mãe não ter o pênis. Esse saber fica recalcado, ou, melhor
dizendo, fica inconsciente, indisponível para o consciente. No entanto não
desapareceu, estará sempre lá. É por isso que o indivíduo precisará encontrar
soluções de compromisso para sustentar seu desejo, impossível de ser
satisfeito, a saber, o desejo do incesto, segundo Freud. Em outras palavras, de
ser o falo, de fazer Um com a mãe, de preencher a falta da mãe. Freud ao nomear
a expressão “solução de compromisso” quis mencionar o sintoma, melhor dizendo,
o fazer sintomas. Diante da estrutura neurótica encontramos três possíveis
maneiras de solucionar a falta ou fazer sintoma, a saber, a histérica, a
obsessiva e a fóbica.
Na histeria, o sujeito sabe
sobre a existência da castração que é sempre do Outro. Idealiza o Outro como
sendo um grande mestre ou um grande homem, fazendo-o potente, fazendo de conta
que ele tem o falo para então se fazer amar por ele. Fazer-se amar por esse
Outro pela via do amor ou da paixão, representa para o sujeito histérico
provocar o desejo do Outro. A operação realizada pelo histérico de sentir-se
desejado e, com isso, alimentar a ilusão de que o Outro pode lhe oferecer as
insígnias fálicas com as quais possa se identificar, já que ao se identificar
com a mãe – a mãe que não tem o falo – fez com que ele também não o
tivesse e como não existe um significante para o “não ter o falo” –
significante da mulher –, existirá, então, a exaltação daquele que tem e pode
lhe dar o que tanto ele almeja, ou seja, o falo. O que o sujeito histérico quer
é apropriar-se do atributo fálico de que estima injustamente desprovido. A
passionalidade da paixão do sujeito é um mecanismo característico da própria histeria
para denegar a castração.
A histeria é uma forma de
vivência do desejo como desejo do Outro. O sujeito só consegue desejar e se
identificar única e exclusivamente pela via do amor ao Outro, a saber, do
desejo do Outro. Esta é a única forma que o sujeito encontrou para driblar sua
angústia de castração, sustentando seu desejo como um desejo eternamente
insatisfeito. O arranjo fantasmático de uma histérica será sempre uma cena de
amor ou de sedução, fazendo nascer no corpo do outro uma fornalha ardente de
libido, ou seja, o “Eu Histericizante” da histérica está em pleno
funcionamento. A histérica a princípio demonstra um forte erotismo genital, uma
exacerbação de sua sexualidade genital, sua fala é carregada de sensualidade
que provoca no outro uma imaginação com forte conteúdo erótico e,
consequentemente, efeitos erógenos no corpo que faz com que o outro creia que
existe de fato o desejo e a intensão de uma relação sexual, mas tudo não passa
de um engodo, uma astúcia sedutora e enganosa, uma aparência, um simulacro de
sexualidade que está mais próximo da masturbação e das brincadeiras sexuais
infantis do que do ato sexual. O que inconscientemente a histérica (o) quer é
que o ato sexual fracasse, deixando sempre seu desejo insatisfeito.
Quando nos reportamos à
histeria masculina que em termos de índice é menor do que a feminina,
sobressaindo esta última em relação à primeira, uma característica que se
repete é a sedução, ou seja, a sedução faz parte tanto da histeria feminina
como da masculina. O histérico oferece seu amor sem se poupar, porém fiquemos
cientes de que é um amor de faixada, já que o histérico é incapaz de se
engajar, realmente, com a sedução. Um traço característico da histeria e de sua
insatisfação é o de desejar ser amado por todos, sem perder nenhum objeto de
amor, mas sem se fixar, o que irá denotar o traço de insatisfação pertinente a
sua estrutura. O histérico tem uma incapacidade de gozar em uma relação sexual,
pois tem a parte genital surpreendentemente anestesiada, atingida por fortes
inibições sexuais, podendo existir frigidez, impotência, aversão sexual, etc.
Outro traço da histérica
está em seu sacrifício em tentar preencher o que imagina ser o prazer do outro,
colocando-se sempre a serviço do outro. No entanto, existe uma intencionalidade
nesse sacrifício, o de ser vista por esse outro. Esse caráter sacrificial
representa a permanência da identificação com o falo do outro.
Outros aspectos peculiares
da histeria são a dramatização, a sugestionabilidade e a reação emocional
inadequada. O histérico dramatiza o tempo todo e essa dramatização fica ainda
maior em situações com maior apelo emocional. Quando estão doentes alardeiam de
forma teatral seu sofrimento não só pela fala, mas em gestos e no próprio
andar; se estão tristes, irrompem em choros convulsivos; já alegres, dão
estrondosas gargalhadas. Nas mulheres existe um acentuado exagero
caricatural da feminilidade, roupas exageradas, brincos e colares que chamam
atenção pela extravagância ou tamanho; já nos homens, existe uma certa
afetação. Como são extremamente teatrais são poucos fieis à verdade, existindo
sempre certo adorno, verniz que falseia seu discurso. As pessoas que se
utilizem das mesmas táticas de sedução e galanteios das histéricas serão vistas
por elas como rivais.
As histéricas podem se
tornar sexualmente promíscuas já que, como mencionamos anteriormente, elas
desejam ser amadas por todos, sem perder nenhum objeto de amor, sem
se fixar, o que denota o traço de insatisfação peculiar a sua estrutura.
Os histéricos são
extremamente sugestionáveis e podem ser influenciados tanto por pessoas quanto
por situações. Um exemplo explicativo é o de compartilhar a companhia de um
doente e horas depois vir se queixar dos mesmos sintomas só por causa da
convivência com a pessoa que de fato estava doente.
O corpo da histérica é
marcado pelo
significante que através do sintoma de conversão servirá de suporte ao sintoma
que é constituído pelo campo do significante do outro. Conforme Freud, a
conversão é uma manifestação somática idêntica ao desejo, onde solidariamente
participam o psíquico e o somático, reportando-se a outra cena em que está em
jogo uma satisfação substitutiva de uma fantasia de conteúdo sexual. Para
Lacan, a histeria seria uma tentativa de identificação com um sujeito desejante
cujo objeto está em posição terceira, e essa identificação só será possível
pela via do sintoma que lhe serve de marca, uma espécie de registro, de
inscrição dessa estrutura. Em resumo, a grande questão
que ocupa a vida psíquica da histérica é sua recusa ao gozo, o seu medo de
gozar, e para afastar essa ameaça de um gozo maldito e temido, a histérica
inventa inconscientemente um cenário fantasístico, onde busca provar a si mesma
e ao mundo que só existe o gozo insatisfeito, e para manter seu
descontentamento, ou seja, a sua insatisfação, ela sempre considera o outro
como decepcionante, sempre será o sujeito de sua insatisfação.
* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado
em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de
psicologia.
Ótimo texto!
ResponderExcluirRealmente, gostei bastante! parabéns! Também sou estudante de psicologia e amante de psicanálise
ResponderExcluirExcelente
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