domingo, 23 de junho de 2013

COMO SE SITUA A ÉTICA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO E GLOBALIZANTE QUE QUASE NÃO EXISTEM BARREIRAS E LIMITES.


                                           Fonte: //rpdaniela.blogspot.com.br/2010/10/o-codigo-de-etica-das-relacoes-publicas.html

WHERE DOES ETHICS IN THE CONTEMPORARY WORLD AND GLOBALIZING THAT THERE ARE ALMOST NO BARRIERS AND BOUNDARIES.

Por Jorge Roberto Fragoso Lins. *

RESUMO

O mundo contemporâneo estabelece o capitalismo e tudo que provém dele como essência de vida, algo que transcende o espírito como essência divina, convidando a todos a um grande gozo, onde a ética não mais é vista como princípio moralizante, mas como uma ética sigilosa que acoberta malfeitos e desmandos a favor de um gozo compulsivo. Portanto, podemos ventilar que essa ética mais parece um conúbio que envolve determinados grupos entorno de um objeto que se tem interesse, não importando os meios empregados para possuí-lo, do que, segundo Foucault, pela conduta que o indivíduo assume como forma de construir a si próprio enquanto sujeito moral, imprimindo um estilo à própria existência. Somando-se a este contexto, vivemos em um mundo globalizado que impõe a não existência de barreiras, nivelando as diversas culturas a uma única cultura, aquela que mais convêm para o capitalismo e para quem detêm o poder. É a partir do quadro mencionado que o nosso artigo pretende focar a ética contemporânea e sua falência como instituição e representante dos bons costumes.  

Palavras-chaves: Ética, mundo, globalizante, barreiras, limites.

ABSTRACT

The contemporary world capitalism down and everything comes from him as the essence of life, something that transcends the spirit and the divine essence, inviting everyone to a great joy, where ethics is no longer seen as moralizing principle, but as an ethical undercover conceals misdeeds and excesses in favor of a compulsive pleasure. Therefore, we can vent that looks more like an ethical conúbio involving certain groups around an object that has an interest, no matter the means used to own it, than, according to Foucault, the conduct that the individual takes as a way to build himself as a moral subject, a printing style to their own existence. Adding to this background, we live in a globalized world that requires the non-existence of barriers, leveling the different cultures to a single culture, one that is convenient for capitalism and for those who hold power. It is noted from the table that our paper intends to focus on contemporary ethics and his failure as an institution and a representative of morality.

Keywords: Ethics, world, globalization, barriers, boundaries.


A grande mudança não é que o interesse econômico se tenha tornado a força motriz da vida coletiva, mas está no fato de que todas as relações acabaram por depender de uma única e mesma problemática, a do interesse, como forma moral geral.
Christian Laval.


INTRODUÇÃO

O conceito de ética proveniente da filosofia está associado a um conjunto de regras e práticas moralizadoras que faz discernir o bem do mal; o certo do errado, conduzindo a pessoa a um bem viver social. Segundo Cotrim (2002, p. 263), a palavra “ética (do grego ethikos, significa costume, comportamento)” pode ser entendida como a disciplina filosófica que reflete sobre os sistemas morais elaborados pelos homens e compreende a função das normas e interdições de cada sistema. Para a Filosofia o homem possui valores próprios que regulam a vida em sociedade.  Aristóteles já bem dizia que o homem se diferencia dos animais pela sua característica humana, a de possuir o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto. Entretanto, vale salientar que ser ético é algo que provém do indivíduo pela sua condição moral, ou seja, por decisão interna e, não, por temer o castigo de Deus, próprio do discurso religioso. Não devemos confundir a pessoa que é ética com aquela que só se mostra como tal por temer o castigo de Deus, pois a ética está diretamente ligada a uma consciência ética.   

Segundo Kant (2006, p. 6), “a ética deve corresponder, de modo perene, às razões mais íntimas do verdadeiro humanismo.” [...]... aquilo que deve ser moralmente bom não basta que seja conforme à lei moral. No entanto, para Foucault (2006, p.15), a ética é o domínio da constituição da subjetividade através da instauração de uma relação do indivíduo consigo mesmo por meio das chamadas práticas ou técnicas de si.  Portanto, conforme Foucault, a ética é construída pelas condutas que o indivíduo assume na construção de si mesmo, enquanto sujeito moral, imprimindo o seu próprio estilo à sua existência.

Conforme Chauí (1995, p. 337), “Consciência e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética” que nos orientam para a prática do bem ou nos alertam sobre a prática do mal. Para a sociologia a ética é um conjunto de valores que a sociedade impõe aos seus indivíduos formando, assim, uma espécie de manual que se encontraria a forma correta de ser e agir nas mais variadas situações. Para a psicanálise a ética é o inconsciente e toda a verdade que foge a ordem do consciente, verdade que é inaceitável para muitos que consideram apenas o campo do consciente como verdade.

Segundo Lacan (1997, pp.373-374), a ética “consiste essencialmente num juízo sobre nossa ação” e mais, “se há uma ética da psicanálise é na medida em que, de alguma maneira, por menos que seja, a análise fornece algo que se coloca como medida de nossa ação – ou simplesmente pretende isso”. 

Conforme Quinet (2003, p.110), “é o desejo do analista que se encontra na base da Ética da Psicanálise, pois o desejo é correlato à ação do analista em sua clínica”. Sendo, assim, o desejo do analista é que possibilita que ele tenha uma postura ética e a disponibilidade para ouvir muito mais do que é dito, o de escutar o analisante e seus mecanismos de simbolização. A questão da ética está associada ao fazer analítico e a falta corresponde quando o analista desvia-se do campo analítico dando respostas antecipadas ao analisante.

DESENVOLVIMENTO

O contexto atual registra a quebra de vários paradigmas que no passado constituíram a base de muitas ideologias que estruturaram o mundo em um patamar de diferenças ideológicas e culturais que, mesmo existindo doutrinas políticas e filosóficas que fossem abraçadas por diversos países cada um possuía a sua peculiaridade que representava a identidade cultural daquele povo. Hoje, com o advento da globalização, a cultura nativa de um povo é acometida por um bombardeio de costumes pertencentes a outras culturas que não mais possibilita a integridade cultural nativa. Em seu texto “O mal-estar na civilização (1930-1936), Freud salienta que, o elemento fundamental para a compreensão da existência humana é a cultura nacional que nos é transferida pela tradição, isto é, através das experiências históricas, pela educação formal e informal, pela língua e pelo ódio.

No mesmo texto Freud assinala a importância de uma identidade nacional, a saber: “A identidade nacional molda os homens do presente na argila dos homens nobres do passado na medida em que os valores desses decidiram fundamentalmente, nos caracteres de uma nação e estimula algum tipo de xenofobismo, pois acredita que o ingrediente que os torna participáveis de uma história comum sofrera alguma dispersão. O que fica claro nas palavras de Freud é que a cultura orienta um conjunto de regras que facilitam a identificação da própria cultura e, consequentemente, de seu povo. A questão é: Como isso se dará na contemporaneidade e quais benefícios ou malefícios trarão para as diversas culturas, e como se situará a ética nesse novo contexto globalizado que deixa de existir o que antes era uma cultural formada de regionalismos, fruto de costumes nativos e imigrantes de outros povos que não chegavam a todo instante em contraponto ao dinamismo tecnológico da contemporaneidade que faz migrar de instante a instante costumes e hábitos culturais de outros países que poderão não ser compatíveis com a própria legalidade e ética para outros tantos países. 

A globalização fruto de uma instituição aglutinada pelo poder econômico e político, transmite através dos meios de comunicação apenas o que lhe convêm, mesmo passando a impressão para os telespectadores de que todas as notícias são dadas e todos os fatos são registrados. Essa censura prévia muito se parece com a censura empregada pelas sórdidas ditaduras militares que nada tinham de generosidade. A ditadura contemporânea evidenciada pelo pragmatismo econômico e político, busca uma normatização dos comportamentos humanos e, o pior, fazendo declinar à ética e a bioética em toda sua extensão.

O que observamos apenas é que os meios e a forma de estabelecer a censura mudaram, tornando-se mais sutil e camuflada, obediente ao dizer do Grande Outro do Capitalismo.  O foco de nosso olhar é direcionado pelo Grande Outro e não pelo nosso desejo natural ou mesmo pela nossa visão crítica. Assim, não há como não compreendermos a censura como um engessamento de ideias, pensamentos, reflexão e por fim, do questionamento crítico que, então, em contrapartida, encontramos no passado obscuro das grandes ditaduras com os bravos revolucionários questionadores que lutaram contra o nefasto regime militar. No entanto, observa-se no ressurgir das cinzas um povo questionador que cansou de ver tantos desmandos e saiu às ruas para protestar seus direitos e querer um país melhor com representantes dignos de respeito, consequentemente, honestos.  

O resultado do engessamento das ideias é o surgimento de uma geração que pouco reflete e questiona a respeito de sua própria vida e do que poderá contribuir de forma a ser um “ao-menos-um” que exerça o papel de exceção e promova as mudanças que venham a transformar. Como não ocupa esse lugar radicaliza se colocando como todo castrado e nada faz para transformar o que parece se consolidar como verdade, empregando um discurso que tudo está bem, ou como diz Lebrun (2004, p. 105), o de falar para não dizer, ou então, como afirma Claude Roy (1993), a falsificação da verdade se tornou um dos instrumentos naturais do poder e do proveito.

A este respeito Lebrun (Ibid, p. 78) lembra “se o crime de Eichmann pôde ser identificado como o de não pensar, o de se demitir de sua enunciação, se demitir de sua faculdade de julgar e de discernir, apresenta-se a questão de saber se, no nosso meio social, um tal tipo de crime não pode ser encontrado cada vez mais!”

Um traço marcante da personalidade de Eichmann e de sua ideologia massificadora é  a irreflexão. Ele foi um homem que não reservava tempo algum para refletir sobre o que acontecia em seu redor. Eichmann não foi um homem agraciado pela perplexidade e comoção, o que importava para ele era obedecer sem nada perguntar, sem manifestar qualquer tipo de questionamento, apenas de cumprir o papel de ser um exímio funcionário e ser aceito e reconhecido pelos seus hierárquicos como tal.

O estímulo cada vez maior ao consumo, a busca pelo estereótipo da imagem perfeita, a larga audiência de programas que apelam ao voyeurismo e o sexual sem nada contribuir para o enriquecimento cultural, parece ser reflexo desse traço unário marcado pela ideologia massificadora de Eichmann que está marcando o mundo contemporâneo. A este propósito Lebrun (2009, p. 186) levanta um importante questionamento: “o que produzirá indivíduos não verdadeiramente indivíduos não verdadeiramente individualizados, sujeitos que não são nada além de pseudosujeitos, tanto lhes foi poupado o trabalho psíquico de separação necessária a sua autonomia.
            
Pelo pensar de Sócrates, Arendt (1992, p. 141) nos diz que todos podem fugir da mesmice que é transmitida pelos meios de comunicação, é só possuir uma interação consigo mesmo, pois o eu é uma espécie de amigo. Para Arent tal atitude seria um contraponto ao que se dita em qualquer massificação, pois abriria as portas da reflexão e de um pensar que fugiria as regras normativas de uma ideologia massificadora que tem como propósito uma horizontalidade de pensares e do próprio comportamento.
            
Lebrun (2004, p. 104), reaviva o conceito de novilíngua que nos parece bastante enriquecedor para a nossa análise sobre a contemporaneidade e a ética. Novilíngua ou novafala é uma língua artificial cujo objetivo é “não apenas fornecer um modo de expressão para ideias gerais e para os hábitos mentais dos devotos, mas também tornar impossível qualquer outro modo de pensamento. As versões sucessivas dos dicionários da novilíngua eram, portanto, cada vez mais reduzidas, pois, comparado ao nosso, o vocabulário novilíngua era minúsculo. Ele se empobrecia a cada ano, ao invés de se enriquecer. Cada redução era um ganho, pois que quanto menos extensa é a escolha das palavras, menor é a tentação de refletir”.
            
O idioma fictício foi criado em 1984 pelo governo hiperautoritário, na obra literária de George Orwell.  A ideia era restringir as possibilidades de raciocínio, não o simples proibir a menção a coisas, fatos ou pessoas indesejáveis.
            
Para Lebrun, a novilíngua, ao apagar o trabalho do enunciador, elimina tudo que poderia colocar em pane a transmissão da ideologia  e gera um mundo inteiramente regido por esse neo-simbólico. Nessa visão, o homem é descontituído de seu cérebro ou seja, de seu pensar, e se exprime apenas pela larínge, mas o que exprime não é uma linguagem no verdadeiro sentido do termo, fruto de uma cultura que constitui o sujeito, mas sim um grasnar de um pato, um ruído emitido em estado de inconsciência.
            
O que se observa é que esse ruído se tornou uma maneira de se comunicar, a saber, um discurso igualitário sem consistência que beira a alienação, desprovido de qualquer ideologia e que, como na obra de George Orwell, alguém está fazendo ressurgir a novilíngua no mundo contemporâneo, e não precisa nos estendermos em divagações para constituir o poder econômico representado por diversos seguimentos como sendo não apenas o articulador do resurgimento da novilíngua, mas também como o executor de uma massificação que destitui o pensar como instrumento crítico e racional para constituir “abobrinhas” para esse pensar, ou seja, um pensar inconsistente que promove o imediatismo, o consumismo, o desfacelamento do coletivo como sujeito heterônomo para privilegiar o mundo da autonomia, ou seja, a busca de cada um por seu caminho singular.


[...] nossas concepções éticas são forjadas por um processo social onde o capital, um bem finito, tem mais prioridade do que os bens infinitos – a dignidade, a ética, a liberdade, a paz, a experiência espiritual etc.” E, por se estar perdendo a vida interior, acaba-se entrando em outra anomalia, que é a hipertrofia do olhar e a atrofia do escutar (BETTO, 2000, p. 9-10).


            
É a partir da não existência de uma ideologia que se fundamente em razão de um clamor popular, de uma coletividade que diga que algo falta e que sustente o sistema de crenças de uma classe ou grupo social, que faz com que não exista um “ao menos um” que ocupe e exerça o lugar de exceção.
            
Segundo Lebrun, (2009, p. 83) ao se referir à coletividade, existiria uma paralisia da decisão que espera por uma unanimidade que venha garantir as decisões. Conforme o mesmo autor, “quando uma decisão deve ser tomada, aquele que é o responsável por ela precisa do acordo dos outros para sustentar seu projeto. Esse acordo, ele não o terá, mas em contrapartida receberá outras propostas, e isso não em um movimento dialético, mas em uma série de intermináveis idas e vindas. De acordo com Lebrun (2009, p. 84) essa paralisia fica mais rigorosa quando alguém se coloca como líder e que se encarrega da decisão.  
            
A espera da unanimidade do grupo abre uma porta que facilita a entrada de um elemento que vem de fora e que em nada se identifica com o clamor daquela coletividade. No entanto, coloca-se como capaz de resolver suas questões promovendo um sonho de realizações a serem alcançadas em um passo de mágica. Esse sujeito quase sempre não está visando às conquistas daquela coletividade, mas faz dela um trampolim que o possibilite alcançar a verdadeira intenção que o move e que quase sempre é a política para então se alcançar a econômica.
            
Não bastasse o não comprometimento do sujeito em relação à coletividade, pois o seu interesse é o particular, a própria comunidade pecou em prevalecer o singular no lugar do coletivo.
            
A coletividade que não se coloca no papel de “ao-menos-um” que estabeleça conjuntamente suas reivindicações não passará de trampolim ao favorecimento dos interesses particulares. Outro dado a ser mencionado é que com a ausência do coletivo não se tem solidariedade, dando a impressão de se viver em grupo mas de se sentir sempre órfão e abandonado.
            
O lugar do Pai como pai protetor e instância da lei parece ter ficado vago, dando ensejo à horizontalidade. Esse nivelamento que se encontra em quase todas as instituições ou se não em todas, produz a sensação de que “tudo posso e nada me acontecerá”, fazendo surgir à figura do tirano que se apresenta com a mesma essência nefasta dos grandes ditadores, porém com uma nova roupagem e interesse puramente econômico.
            
O poder propriamente dito não é mais o patamar que se quer alcançar como embevecimento do narcisismo dos tiranos, mas sim um possível degrau para se chegar ao ganho econômico, não querendo dizer com isso que os ditadores até hoje não se favoreceram economicamente de suas ditaduras. Infelizmente o que se observa é que o lugar do “ao-menos-um” que poderia ser a figura de exceção que pudesse guiar o mundo num sentido verticalizado, promovendo as necessárias mudanças sociais e econômicas dos países, não existe, porém esse lugar não é inexistente aos olhos do mundo só que é ocupado pela figura do tirano, daquele que fugiu a castração mesmo sabendo que ela existe. A saber, que a figura tirânica também está representada pelas próprias instituições, sobretudo pelas que possuem o selo de constitucionais.
            
Segundo Lebrun (2004, p.88) o tirano é esse “ao-menos-um” que se dá uma consistência tal que se concede o direito de impor sua lei aos seus e o que se passa do lado do Outro não lhe interessa: pouco importa que se fale aí, na medida em que o que se diz do lado do Outro não venha perturbar a maneira pela qual quer regular os problemas. Conforme o mesmo autor, o tirano, ao querer se assenhorar de seu reino, elimina tudo que está do lado do Outro e, portanto, a alteridade do feminino, na medida em que este a representa, no caso do totalitarismo, o que é visado é a abolição da metáfora paterna em si, na medida em que posiciona esse feminino; o que se deve fazer desaparecer é a alteridade do Pai.
            
Hoje, o perfil do totalitarismo ditatorial que se mostrava com as ditaduras militares mudou, mesmo existindo algumas em plena vigência se apresentam em forte declínio que tendem a uma possível extinção. O totalitarismo contemporâneo é uma mutação do que antes foi o totalitarismo das perversas ditaduras e que hoje se apresenta de diversas maneiras: é o tirano corrupto que se assenhoreia dos bens da nação sendo o mesmo constituído de um poder legal, do totalitarismo que todos devem possuir corpos perfeitamente definidos, da tirania que se deve ser dessa ou daquela tribo e que se deve ter um biótipo igual o que tem à maioria, o totalitarismo do consumo que demanda o consumismo desenfreado e por aí vai. Com tantas exigências não é de surpreender o aumento do mal-estar que no mundo contemporâneo é sentido pelas pessoas. Ao mesmo tempo em que o mundo provoca um grande mal-estar para ele mesmo, parece que ele goza e goza muito, não importando que esse gozo também mata.  
            
Aqui nos perguntamos: onde estão os limites? Eles não existem, pois a meta é o gozo, gozar cada vez mais não importando que esse gozo seja mortífero ou não para o Outro e para si mesmo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificamos que no mundo contemporâneo o conceito de ética como nos ensina os bons costumes esvazia-se, tornando-se cada vez mais uma prática que aponta para sua extinção. Hoje, corre-se o risco de quem se aventurar em ser honesto logo ser rotulado pelos demais de tolo e por não saber aproveitar as oportunidades que “Deus” deu, ficando claro uma total inversão de valores.
            
Alguns filósofos que defendem uma mudança em torno da ética, apregoando o conceito da “macroética”, a ética dos povos. Nesta visão a ética deixaria o lugar dos costumes de certo povo e se integraria em todos os povos, sendo determinada pela dinâmica que as informações são apresentadas e pela ebulição das diversas culturas que se interagem, provocando uma transmutação que obedeceria a velocidade de que os acontecimentos sociais se dão.  Deixaríamos de entender uma ética de um determinado povo e passaríamos a tratar de criar uma noção geral e balizadora que servissem todos os povos.
            
Nessa concepção existiria uma horizontalidade fomentada pela interligação das mais variadas culturas. O que questionamos outra vez é se a troca de informações dessas culturas de fato ajudaria para criar uma ética ou se o meio que facilita essa interação que provém da globalização das comunicações, não agiria em sentido contrário, ou seja, criando uma nova linguagem (novilíngua) que pudesse suprimir o bom e o ético em prol do imediatismo, do interesse econômico e dos pequenos grupos que detém o poder.
           
Em 1976, uma campanha publicitária que teve como protagonista o ex-jogador Gérson, levou ao ar a Lei de Gérson, ficando por muitos anos o conteúdo desta propaganda impregnado no seio da sociedade brasileira. Seu “jingle” que incentivava as pessoas levarem vantagem em tudo foi incorporado pela cultura popular e mesmo que, atualmente, o “jingle” tenha caído no esquecimento parece que sua mensagem ficou bastante viva no inconsciente coletivo de muitos brasileiros, passando de geração a geração sem ao menos os das gerações sucessoras terem conhecimento de tal “jingle”. 
         
A Lei de Gérson suprimia as questões éticas ou morais para incentivar o oposto, disseminando a corrupção e o desrespeito a regras de convívio para a obtenção de vantagens únicas e exclusivas pessoais. Se uma campanha publicitária que é veiculada em um único país atingiu tamanha proporção o que dizer de uma comunição globalizada? A globalização veio a atender as necessidades do capitalismo, favorecendo, sobretudo, os países desenvolvidos a buscar novos mercados de consumo, escoando, assim, suas mercadorias.
            
A globalização traz o discurso de um processo de interligação do mundo a partir de aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos, ou seja, é o crescimento da “interdependência” entre os países do globo. A nosso ver essa interdependência não representaria de fato o que o discurso apregoa já que, mais do que nunca as culturas de determinados países adentram em outras, criando com isso uma lacuna, um espaço vazio que é justamente a falta de raiz que sustente aquele costume. Utilizando-nos de um linguajar médico em forma de metáfora existe um ‘corpo estranho’ no organismo social do Outro (país).
        
Sustentando ainda a tese da não interdependência dos países, mencionaremos a  economia que hoje é representada por um gigantesco iceberg que a qualquer momento poderá derreter por um simples prenúncio de crise enfrentada por algum pais que pertença ao bloco de sustentação. O que corriqueiramente acontece é que muitas dessas crises que apavora o mercado financeiro têm por causa boatos que arruínam fortunas e falsos balanços contábeis que mascaram a realidade dessa ou daquela instituição financeira. Há alguns anos, Hobart Mowrer (1907-1982) realizou uma experiência com ratos no laboratório de psicologia de Harvard. O objetivo era de testar o senso “ético” dos roedores. Bolinhas de comida foram lançadas num recipiente diante dos animais esfomeados. Os ratos teriam de aprender a esperar três segundos antes de agarrar o alimento. Para conseguir tal feito Mowrer condicionou os roedores através de choques elétricos.
            
Ao conter os ratos pelo reforço negativo, isto é, através de choques elétricos, Mowrer tinha o objetivo de que os roedores não partissem vorazmente na busca do alimento, implica aí fazer uma ilação a experiência de Mowrer a instância da lei, melhor dizendo, a instância da lei estabelecida pelo homem. Sabemos que a lei é o que estabelece os direitos e deveres de cada cidadão, empregando, assim, os limites ao próprio comportamento do homem. A isso não queremos dizer que toda lei possui a suplência da ética, muitas apenas possuem uma legalidade puramente contextual. Concluindo o nosso pensamento a lei faz valer mesmo que por obrigação uma possível ética de convivência entre os humanos.
         
Não fica difícil associarmos, então, esta instância da lei com os choques que eram dados nos ratos para que não partissem tão ensandecidamente na busca de saciar sua fome. O que se observa no mundo atual é que a instância da lei está em forte declínio e vale salientar em todas as instâncias, da familiar a governamental. Grosso modo podemos dizer que o homem está pior do que os ratos que nem ao menos teme o choque da lei, mas nem por isso sua consciência deixou de ser criativa. No entanto, a consciência ética se descolou da criatividade pois esta, na maioria das vezes, coloca-se contra a própria ética ou, melhor, faz surgir uma nova ética, a ética da bandidagem que a cada momento se institucionaliza.  
            
Na experiência de Mowrer, alguns ratos aprenderam a esperar para então saborear em paz o alimento. Já, outros, que o choque fosse sentido nove ou doze segundos depois que infringiram a regra de “etiqueta” não aprenderam com a punição, tornando-se delinquentes, agarrando o alimento de qualquer maneira sem mais se importar com o castigo. Este tipo de conduta é o que observamos entre os homens, sobretudo, em nosso país, que não é de hoje vive o aflitivo e angustiante sentimento de impunidade, da cultura da pizza, da ética do corporativismo nocivo e delinquente.
             
A morosidade de se cumprir a lei, as interpretações equivocadas de quem legisla e de quem executa, os interesses pessoais e dos pequenos grupos é o que alimenta a impunidade que grosso modo, aferra-se ao caso dos ratos, enquanto a demora da aplicação dos choques. A demora ou o fracasso no cumprimento da lei provoca um sentimento de que todos nós estamos reféns da violência e dos mais variados desmandos que jamais serão punidos. Lembramos outra vez que os ratos da experiência de Mowrer se tornaram delinquentes e não mais temeram o castigo. Diante de tudo que foi explanado neste artigo, resta-nos questionar como andam as escolhas de valores do ser humano? Por que o homem como capaz de sentir as necessidades e desejos alheios, colocar-se no lugar do outro e fazer opções visando ao bem de seus semelhantes e seu próprio, age na contramão de todas as possibilidades éticas e morais que poderiam favorecer uma melhor qualidade de vida para o seu meio e para ele próprio? Ser ético, no melhor emprego da palavra, estaria fora de moda? Fica difícil entendermos que moda de comportamento dita humana não incorporaria à ética e a moral.             Será que o ser humano estaria regredindo ao primitivismo? Infelizmente já se observam casos de canibalismo!

REFERÊNCIA

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BETTO, Frei. Reflexão. São Paulo: Instituto ETHOS, Ano 1 – nº 3, novembro, 2000.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.
COTRIM, G. Fundamentos da filosofia. São Paulo: Saraiva, 2002.         
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Abril Cultural,1974.
FOUCAULT, M. A. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2006f.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2000.
KEHL, M. R. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética em psicanálise. Texto estabelecido por Jacques Alain-Miller. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1997.
LEBRUN, Pierre-J. Clínica da Instituição: O que a psicanálise contribui para a vida coletiva. Porto Alegre: Editora CMC, 2009.
LEBRUN, Pierre-J. Um Mundo sem Limites: Ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2004.

QUINET, A. A descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003.

* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.  

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