Por Jorge Roberto Fragoso Lins*
No dia 21 de janeiro de 2013 foram realizadas as
primeiras internações compulsórias dos dependentes químicos da Cracolândia.
Entre os agentes incumbidos de realizá-las estavam: os profissionais
da saúde, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça de São
Paulo (TJSP) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As ações visavam
à internação involuntária dos dependentes em crack e desvelava como
principal discurso o tratamento dos usuários que já estavam quase
aniquilados pela droga, ou seja, pessoas extremamente desnutridas que
estavam à mercê de todas as doenças intercorrentes e que acabavam
indo a óbito. Aproximadamente um mês depois, a mídia veiculava a
notícia de uma nova Cracolândia a 300 metros de onde ficava a anterior,
ressoando o que já era previsível, o fracasso da ação. Quando se
tangencia uma situação de risco iminente de extrema debilidade não
contestamos que em prol de salvaguardar a vida e o bem-estar do indivíduo
sejam tomadas medidas mais efetivas de tratamento. Porém, não se concebe
qualquer tipo de intervenção clínica sem a aquiescência do usuário
de se submeter ao tratamento, caso contrário qualquer ação da ordem
será infrutífera. Qualquer que seja a droga e o acentuado nível de
dependência que se encontre o sujeito, acreditar no êxito de uma internação
compulsória é ter uma compreensão no mínimo pueril do problema.
Manter abstinência da droga já é difícil quando se luta para deixá-la,
quanto mais quando não possui tal desejo. O crack é uma droga pesada,
porém extremamente acessível à população de rua. No entanto, traçando
um perfil quantitativo entre dependentes de crack e de álcool, o segundo
ganha facilmente. Nem por isso se traça uma campanha massissa contra
o álcool. Muito pelo contrário, não faltam propagandas publicitárias
de cerveja sendo veiculadas em horário nobre da televisão e em outros
veículos de comunicação. O álcool é tão grave como qualquer outra
substância psicoativa, podendo levar o usuário ao suicídio, a uma
cirrose hepática, a mortes no trânsito, e como um reagente a mais
para os crimes passionais, etc.
Acompanhando a forma arbitrária de como essas pessoas
foram retiradas da Cracolândia, não podemos deixar de nos reportarmos
a uma época histórica de nosso país, precisamente, a da República
Velha, com a antiga polícia sanitária, que invadiam as casas das pessoas
e sem a permissão da população aplicavam a vacina contra a varíola.
A maneira de como era realizada a vacinação gerou um grande repúdio
da população que considerava tal comportamento uma tirania. Insatisfeita,
a população saiu às ruas e assim deu início a Revolta da Vacina,
colocando a cidade do Rio de Janeiro em estado de sítio. A revolta
deixou um saldo de 30 mortes, 110 feridos e 945 presos, das quais 461
pessoas foram deportadas para o Acre, implicando, também, o afastamento
de Oswaldo Cruz de suas funções. Logicamente, não contestamos a eficácia
e a necessidade de se vacinar a população, mas sim a maneira de como
foi realiza. Comparativamente, algo de arbitrário ocorreu no caso da
Cracolândia. Haveria uma falta de saber por parte da equipe de saúde
que ação não surtiria o efeito desejado? Resta-nos então, saber,
se existiu a intenção de tratamento ou de apenas “higienizar”
a cidade, retirando, tiranicamente, os usuários das ruas e assim, ocultando
daqueles que não querem ver ou dos visitantes a realidade que vive
os oprimidos no país.
* Jorge Roberto Fragoso Lins é Sociólogo e pós-graduado
em intervenções clínicas em psicanálise, graduando do 8º período
de psicologia.
Artigo publicado no Jornal Diario de Pernambuco na edição de 19/06/2013
http://www.enfrenteocrack.org.br/
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