quinta-feira, 27 de junho de 2013

UMA BREVE LEITURA SOBRE OS FUNDAMENTOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE

 Fonte: http://www.psicanalise.online.nom.br/


Jorge Roberto Fragoso Lins *

RESUMO

Este estudo busca fazer uma breve leitura dos fundamentos básicos da psicanálise, trazendo alguns referenciais teóricos que norteiam o método psicanalítico criado por Freud, possibilitando, assim, a uma escuta clínica que se pauta na verdade do sujeito do inconsciente. Optamos por realizar o referido trabalho com o objetivo de sinalizar a nossa escolha pessoal de trabalharmos com o método psicanalítico, pelo qual temos grande apreço.

Palavras chaves: Fundamentos, básicos, psicanálise.

ABSTRACT
Este estudio pretende hacer una breve lectura de los fundamentos básicos del psicoanálisis, con lo que algunos marcos teóricos que guían el método psicoanalítico creado por Freud, lo que permite una clínica escuchar esa agenda en realidad el sujeto del inconsciente. Hemos elegido para efectuar dicho trabajo con el fin de señalar nuestra elección personal para trabajar con el método psicoanalítico, para lo cual tenemos un gran aprecio.

Keywords: Fundamentos básicos, el psicoanálisis.

A psicanálise é uma teoria que se fundamenta na metapsicologia freudiana que tem como método de investigação da psique humana a escuta do sujeito do inconsciente, como procedimento basilar do tratamento e de suas pesquisas. Esta verdade está, por exemplo, na palavra que escapa, nos atos falhos, nos chistes, nos sonhos, nas associações livres, no sintoma como formação de compromisso com o que está recalcado, cujo acesso é da ordem de um inapreensível a que não se renuncia. Trata-se de preservar um saber, uma linguagem e uma não temporalidade  do sujeito do inconsciente.

No entendimento de Freud, a descoberta do inconsciente poderia ser comparada a dois outros golpes que a ciência desferiu sobre o amor-próprio da humanidade. O primeiro, quando Copérnico destituiu a Terra de ocupar o centro do universo; e o segundo, quando Darwin mostrou que o homem não está no centro da criação. Mas, precisamente, qual seria o golpe desferido pela psicanálise? O de descentralizar o homem de si mesmo ao mostrar que o eu não é senhor nem mesmo em sua própria casa. Portanto, indo pela contramão do que afirmou Descarte “penso, logo existo”.  Conforme o pai da psicanálise,


Um pressuposto fundamental da psicanálise é a diferença, na esfera do psíquico, entre o que é consciente {Bewusstes} e inconsciente {Unbewusstes}. Somente a partir dessa distinção, torna-se possível compreender e integrar à ciência os freqüentes e relevantes processos patológicos da vida psíquica. Dizendo de outro modo: da perspectiva psicanalítica não há como considerar que a essência do psiquismo esteja situada na consciência {Bewsstsein}. Pelo contrário, é preciso considerar a consciência como sendo apenas uma das qualidades do psíquico e lembrar que diversas outras qualidades podem, ou não, somar-se a ela. (FREUD, 2007, p. 28).


Freud concentrou parte de suas pesquisas e de seus tratamentos com pacientes histéricos, chegando a dizer que a histeria é uma anomalia do sistema nervoso que se fundamenta na distribuição diferente das excitações provavelmente acompanhadas de excessos de estímulos no órgão da mente. Sua sintomatologia mostra que esse excesso é distribuído por meio de idéias conscientes ou inconscientes.

As histéricas que foram tratadas por Freud eram, em grande maioria,  inteligentes e com grande capacidade de raciocínio que seria embotado pelos limites que a educação e a sociedade da época lhes impunham. Elas também possuíam grandes virtudes éticas, pois suportavam “com grandeza as perturbações mentais que as afligiam” (Birman, 2001, p. 164). Não, obstante, esta mesma virtude ética – moral – fruto de um severo superego que fazia com que elas ‘suportassem’ a rigidez e o autoritarismo patriarcal da época, que reprimia e castrava a sexualidade feminina, também as levavam ao adoecimento por não ser permitida uma vivência sem tabus de suas sexualidades, levando-as a seguir o caminho do recalcamento de seus desejos e fantasias.   

Os termos superego, recalcamento, repressão, castração fazem parte do extenso dicionário do método psicanalítico. Mas, antes de conceituá-los, é importante frisar que os mais importantes conceitos inaugurais da psicanálise levam em conta a noção de inconsciente; a teoria sexual e o princípio do prazer e de desprazer; a teoria das pulsões e a noção de aparelho psíquico. No que se refere ao aparelho psíquico, Freud propõe a teoria topográfica que compreende a idéia de que o aparelho psíquico seria submetido a uma topografia, ou seja, de possíveis áreas que seriam demarcadas. Ao sugerir tal hipótese, ele não quis dizer que existem fisicamente áreas que obedecessem a tal descrição, mas sim de caracterizar uma organização psíquica dividida em sistemas, ou instâncias psíquicas, com funções específicas para cada uma delas, que estão interligadas entre si, ocupando sua importância ou lugar na mente.

Ao escrever as duas tópicas, Freud, logicamente, vai tomar como axial a explicação do conflito intrapsíquico, especificando o conflito entre desejos sexuais e forças inibidoras, sendo que, tal conflito, vai desencadear a resistência característica em todo o processo analítico. Sua teoria mostrou ser uma descoberta importante. No entanto, enfrentou muitas críticas por parte da sociedade científica. A primeira tópica foi conhecida como Topográfica e a “Segunda Tópica”, como Estrutural.

Freud atribuiu a primeira tópica às noções de inconsciente, pré-consciente e consciente; trabalho psíquico; conflito intra-psíquico; recalcamento; identificações e transferência; narcisismo e a metapsicologia da primeira tópica. Na segunda, ateve-se a noção de id, ego e superego, como também, a evolução da teoria das pulsões, que incluiu as noções de compulsão à repetição e de pulsão de morte. Portanto, segundo Freud, o aparelho psíquico é composto por três sistemas: o inconsciente (Ics), o pré-consciente (Pcs) e o consciente (Cs). A este último, Freud denominava de sistema percepção-consciência.

O consciente tem a função de receber informações que são provenientes das excitações do exterior e do interior, que ficam registradas qualitativamente de acordo com o prazer e/ou, desprazer que elas causam, porém ele não retém esses registros e representações como depósito ou arquivo deles. Assim, a maior parte das funções perceptivo-cognitivas-motoras do ego – como as de percepção, pensamento, juízo crítico, evocação, antecipação, atividade motora, etc., processam-se no sistema consciente, embora esse funcione intimamente conjugado com o sistema Inconsciente, com o qual quase sempre está em oposição.

O pré-consciente estaria articulado com o consciente. Teria a especificidade de “barreira de contato”, funcionando como uma espécie de peneira que seleciona aquilo que deve, ou não, passar para o consciente. Ele também funcionaria como um pequeno arquivo de registros, cabendo-lhe sediar a fundamental função de conter as representações de palavra, conforme foi conceituado por Freud, 1915.

O inconsciente designa a parte mais arcaica do aparelho psíquico. Aquela que também poderia ser herdada como herança genética, onde as pulsões estão reprimidas sob a forma de repressão primária ou de repressão secundária.


Denominamos, então, pré-consciente aquilo que é latente, ou seja, o que é inconsciente no sentido descritivo, portanto, não-dinâmico, e reservamos o termo inconsciente ao recalcado que dinamicamente está inconsciente. (op. cit., p. 30).  Consistiria em que a representação Ics. se referia a um material que permaneceria desconhecido, enquanto que a representação Pcs. estaria sendo concectada a determinadas representações-de-palavra. (ibidem, p. 33). Na segunda tópica, temos as seguintes conceituações:

O Id é uma estrutura formada pelos representantes mentais dos impulsos instintuais, a saber, as pulsões, sendo uma poderosa fonte de energia mental para todo o aparelho psíquico Compõe-no também, os desejos, que exigem gratificação, o que resulta em impelir o Ego às ações, tendo-se, então aí, as suas duas características essenciais: ser formado pela energia e pelos representantes mentais dos impulsos. O id é regido pelo princípio do prazer.

Ego já seria aquele que se relaciona com o meio ambiente, funcionando como mediador, integrador, harmonizador entre as pulsões do Id com suas exigências, e a censura do Superego. O Eu seria, então, aquela instância psíquica que supervisiona todos os processos parciais que ocorrem na pessoa. É a instância que à noite vai dormir, embora, mesmo dormindo, ainda detenha o controle da censura onírica. (FREUD, 2007, p.31).

O superego seria a instância da lei, da ética, da moral. Tal instância se formaria com a castração realizada no Édipo. Tendo a sua origem na identificação com as figuras parentais, particularmente com os aspectos éticos e morais de ambos.


Depois de já ter definido o que era superego e as respectivas tópicas, iremos, brevemente, conceituar o que seja recalcamento, repressão e castração. Grosso modo, o recalcamento é uma defesa das mais primitivas que o ser humano se utiliza para se livrar de algum mal-estar psíquico. Ou seja, o psiquismo, mais propriamente dito, o ego, se utiliza de um contra-investimento em relação à idéia que pretende rechaçar, exercendo, assim, uma força psíquica que vem a expulsar o conteúdo angustiante transferindo-o para o inconsciente.

Define-se contra-investimento uma defesa que o psiquismo se utiliza contra um excesso de excitação proveniente do exterior. Portanto, a volta do recalcado seria o rompimento do escudo protetor que existiu anteriormente com o recalque.

Diante da defesa realizada frente à situação traumática, o ego lançaria mão de uma força de repulsão ou repressão que separaria o afeto da representação, a saber, a representação seria colocada para fora da consciência do sujeito, permanecendo fora da rede de associações. Freud denomina a força psíquica que se opõe as representações – traumáticas ou patogênicas – não permitindo que elas retornem ao  consciente de resistência. A resistência, portanto, seria uma força que teria de ser superada para as representações patogênicas serem lembradas e pensadas. Mas para que possa existir o recalque, o ego conta com a ajuda do pré-consciente e pela ação exercida por representantes inconsciente.

Tomando como referência a obra-prima Édipo rei, peça que remete a um velho mito que retrata o apaixonamento do filho em relação à mãe, Freud, constrói a sua teoria psicossexual que consistiria na descoberta da sexualidade infantil.  Em sua teoria ele aborda as fases do desenvolvimento psicossexual do indivíduo que abrangeria as fases oral, anal, edípica, latência e genital. Ele descreve uma relação extremamente amorosa que existiria entre a criança e seu significante mestre, ou seja, a mãe, e a entrada do pai como regulador dessa relação, impondo a Lei e castrando a mãe de seu gozo de completude em relação ao filho. Ao mesmo tempo, colando na criança a falta já que aquela mulher é mulher de seu pai e jamais poderá ser dele, a saber, da criança, instituindo, assim, a castração.

Nessa triangulação, mãe, pai e criança, Freud menciona a relação edípica que ocorre nessa fase colocando o falo como ponto crucial desta fase. Ele destaca o medo provocado pelo imaginário da criança de perder o pênis, ao ver a mãe ou alguém do sexo oposto sem o referido membro já que, nesta fase, a criança imagina que todos, homens e mulheres possuem o pênis. Foi aí que Freud descobriu que existe por parte da criança a crença da universalidade do pênis. Lacan ao fazer a releitura da obra de Freud elabora em sua teoria as concepções de Metáfora do Pai e o Nome-do-Pai. Assim, estabelecendo a figura paterna como um significante que deve estar presente antes mesmo do complexo de Édipo e de Castração, a saber, no primeiro recalque que a criança sofre. Conforme Mourão (2011),


enquanto significante, o falo instaura a Lei do pai, a lei da castração, circunscrevendo o campo simbólico. Por fim, pode-se dizer que o processo da Metáfora Paterna corresponde à noção de recalque originário em Freud, recalque do significante fálico, o que institui o inconsciente – portanto, sendo fundamental para a instituição e estruturação da subjetividade. (MOURÃO, 2011, p. 97).


Mourão ainda salienta a importância da implicação dessa metáfora para a vida subjetiva do sujeito,


nessa estrutura, a Metáfora Paterna é fundamental especialmente por dois aspectos:
- porque permite à criança sair da condição de objeto de desejo da mãe (ser o falo) e passar à condição de sujeito desejante (ter o falo);
- porque ao abrir a possibilidade de metaforizar, permitindo as identificações, condiciona a possibilidade de entrada do sujeito no simbólico, na cultura.
Em outras palavras, a Metáfora Paterna, ao introduzir o significante do Nome-do-Pai na economia subjetiva, permite ao sujeito “servi-se” desse nome, quer dizer, servir-se das palavras, do sistema de comunicação, do sistema simbólico – o que não acontece, por exemplo, na psicose, em que existe uma rejeição (foraclusão) do Nome-do-Pai. (ibidem, p. 98).  


Portanto, o Nome-do-Pai, trata-se do pai como simbólico, como significante que tem como função o “não”, da interdição, constituindo, assim, como aquele que, enquanto sede da Lei, representa o Outro da mãe, sendo o significante da Lei para a mãe. É exatamente por isso que a simbolização do Nome-do-Pai funda a dimensão do significante para o sujeito. Com isso se determina a lógica da castração, determinando as diferentes estruturas subjetivas e ordenando as posições sexuais: masculina e histérica.

Em nossa breve leitura sobre os fundamentos básicos da psicanálise não poderíamos deixar de mencionar a teoria dos sonhos, um dos trabalhos mais complexos de Freud. “A interpretação dos Sonhos” é datada oficialmente do ano de 1899. No entanto foi concluída em todos os seus aspectos essenciais, no começo de 1896, porém só foi escrita no verão de 1899.

Ao tratar de seus pacientes, sobretudo das histéricas, Freud percebeu que os sonhos que eles tinham revelavam um importante acesso ao inconsciente, trazendo  conteúdos de desejos que poderiam ser dos mais simples ou infantis, como conteúdos recalcados, fruto de desejos incestuosos, de fantasias ou de traumas. Conforme o pai da psicanálise (2006),


o que origina um sonho é um desejo, e a satisfação deste desejo constitui o conteúdo do sonho – esta é umas das características principais dos sonhos. A outra, igualmente constante, é que um sonho não apenas confere expressão a um pensamento, mas também representa o desejo sendo satisfeito sob a forma de uma experiência alucinatória. ‘Gostaria de ir ao lago’ é o desejo que origina o sonho. O conteúdo do sonho propriamente dito é: ‘Estou indo ao lago”. Portanto, mesmo nesses simples sonhos de criança, há uma diferença entre o sonho latente e sonho manifesto, há uma distorção do pensamento onírico latente: a transformação de um pensamento em uma vivência. (FREUD, 2006, p. 132).


Freud relata que ao pedir que alguém dissesse o que lhe veio à mente em resposta a um determinado elemento do sonho, estava lhe pedindo que se entregasse à associação livre, enquanto mantém na mente uma idéia como ponto de partida. No entanto, ele faz uma ressalva: que aquele que sonhou, quando interrogado sobre os diversos elementos do sonho separados uns dos outros, pode responder que nada lhe ocorre. Entretanto, em geral, se quem sonhou diz que seu sonho não tem nenhum sentido, significando, que nada lhe ocorre, a coisa que tem de se fazer é contestar e pressionar, insistindo em que algo deve lhe ocorrer. Se uma pessoa pensa que não sabe nada sobre experiências cuja lembrança, ainda assim, está dentro dela, já não é mais tão improvável ela não saber nada de outros processos mentais dentro de si. (ibidem, p. 108). Freud assegura ainda que,


produzirá uma idéia – qualquer idéia, é-nos indiferente qual seja. O sonhador nos dará determinadas informações, que podem ser descritas como ‘histórias’ com especial facilidade. Ele pode dizer: ‘Isso é algo que aconteceu ontem’ ou Isso me lembra algo que aconteceu há pouco tempo’ – e dessa maneira descobriremos que os sonhos se referem a impressões do dia anterior, ou dos dois últimos dias, muito mais frequentemente do que de início imaginávamos. E, finalmente, também recordará, a partir do sonho, acontecimentos de épocas ainda anteriores, e até mesmo, talvez, de um passado muito remoto. (ibidem, p. 110).


O fisiólogo Burdach (1776 - 1847) faz a seguinte observação em relação aos sonhos: “Nos sonhos, a vida cotidiana, com suas dores e seus prazeres, suas alegrias e mágoas, jamais se repete. Pelo contrário, os sonhos têm como objetivo verdadeiro libertar-nos dela.

Não há dúvidas que todo conteúdo de um sonho é derivado, de um jeito ou de outro, de alguma experiência que foi reproduzida ou lembrada no sonho. No entanto, é pertinente ressaltar que poderão existir nos sonhos algumas deformações provocadas por uma censura. Esta censura se refere a um conflito psíquico provocado pelo recalque. Isto, porque, os desejos que provocam os sonhos muitas vezes não são desejos aceitáveis pela consciência, existindo por parte dela uma forte rejeição. Porém, não se descarta a possibilidade de acontecer algo dúbio neste caso, a saber, o retorno do desejo recalcado poderá causar desprazer, como já mencionamos, mas também poderá provocar prazer, o prazer do gozo fálico.

A satisfação desse prazer para o neurótico poderá acarretar em estado de vigília uma imensa angústia. O aparecimento do desejo, ou, melhor dizendo, do sonho que revela conteúdos latentes e inconscientes só serão possíveis pela diminuição do rigor da censura que acontece no momento onírico que se vive, possibilitando, assim, o aparecimento de sentimentos, representações e imagens desagradáveis, que são justificados pelo fracasso do recalque. A tese de Freud é a de que o sonho é uma realização disfarçada de um desejo recalcado e esse desejo é sempre originário, ou parte sempre do inconsciente. Concebe-se, portanto, elaboração onírica, o trabalho de transformar os pensamentos latentes em conteúdos manifestos, distorcendo esses pensamentos de tal forma que o sonho, ou os pensamentos nele apresentados, vai ser inacessível ao sonhador. O processo inverso, a saber, partindo do manifesto para chegar ou latente, Freud chamou de interpretação.

Os sonhos também podem ter estímulos sensórias externos, a saber, um estímulo que seja consideravelmente poderoso poderá nos despertar a qualquer momento, como também poderá tornar-se fonte de nossos sonhos, pois ocorre pelo fato  da alma está em constante contato com o mundo extracorporal.  Por exemplo, se estivermos dormindo e trovejar, poderá existir uma elaboração onírica referente ao fato de uma guerra com bombas explodindo e pessoas morrendo. O rangido de uma porta poderá ser elaborado como se alguém estivesse entrando sorrateiramente em casa, como por exemplo, um ladrão. Mas também não podemos nos esquecer das excitações sensoriais internas, como por exemplo, a pessoa pode estar com cede e sonhar bebendo água, etc.

Em quase todo trabalho onírico, sobretudo, o que diz respeito ao conteúdo latente que se torna manifesto, existem dois processos que estão bem atuantes. O primeiro, o de condensação, que é referente a idéias, temas, imagens e figuras que são agrupas em uma só. O segundo, o de deslocamento, que consiste quando uma representação tem algo em comum com a representação anterior. Conforme Kaufmann (1996),


o deslocamento e a condensação têm parentesco, respectivamente, com a metonímia e a metáfora, mas distinguem-se delas como mecanismos do processo primário inconsciente. Em interpretação dos sonhos, Freud lembra que “o trabalho do sonho não pensa nem calcula”. De fato, na condensação – de que Freud fala pela primeira vez no capítulo VII de A interpretação dos sonhos, consagrado ao trabalho do sonho – uma única representação pode traduzir diversas cadeias de pensamentos latentes que lhe estão associadas. Isso implica, na origem, um processo econômico, na medida em que as energias em ação nessas cadeias podem se superpor a essa representação manifesta. (KAUFMANN, 1996, p. 92).


O mesmo autor complementa que,


A definição do processo de deslocamento sob a forma mais precisa em “A interpretação dos sonhos”, como um dos elementos do capítulo V, dedicado à “deformação” no sonho. “Os pensamentos de meu sonho”, explica Freud, “eram injuriosos para R.; para que eu não os notasse, são substituídos pelo oposto, a ternura”. A ‘carga psíquica’ das representações que estavam no início fortemente investidas para outras cuja tensão é fraca’. “Cada vez que um elemento psíquico é ligado a outro por uma associação incômoda ou superficial, estabelece-se entre os dois um vínculo natural e profundo submetido à resistência da censura. Na figuração, as associações superficiais substituem as profundas quando a censura torna essas vias normais impraticáveis. (KAUFMANN, 1996, p. 125-126).


A teoria psicanalítica reserva um extenso rol de conteúdos analíticos que possibilitam a prática clínica em sua escuta e nas observações sociais que impliquem uma análise mais aprofundada do sujeito inserido nesse lugar, mas a frisar que este sujeito para a psicanálise sempre será o sujeito do inconsciente.

* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo e pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise, graduando do 8º período de psicologia.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do inconsciente, v. III. Rio de Janeiro, RJ. Ed. Imago, 2007.

_________. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro, RJ. Ed. Imago, 2006.

BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas de subjetivação (3. ed.). Rio de Janeiro, RJ. Ed. Civilização Brasileira, 2001.

KAUFMANN, P. Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro, RJ. Ed. Zahar, 1996.

MOURÃO, A. Uma aventura no território da falta. Rio de Janeiro, RJ. Ed. Cia de Freud, 2011.


DEPENDÊNCIA PELO SEXO VIRTUAL: UM GOZO SOLITÁRIO QUE NÃO NECESSITA DE PARCEIRO (PROJETO DE PESQUISA)



 
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS DE OLINDA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA




JORGE ROBERTO FRAGOSO LINS





Fonte: http://blog.cancaonova.com/diariodeumconsagrado/


DEPENDÊNCIA PELO SEXO VIRTUAL: UM GOZO SOLITÁRIO QUE NÃO NECESSITA DE PARCEIRO.




      

















OLINDA
2013


 
JORGE ROBERTO FRAGOSO LINS















DEPENDÊNCIA PELO SEXO VIRTUAL: UM GOZO SOLITÁRIO QUE NÃO NECESSITA DE PARCEIRO.






Projeto apresentado como instrumento de avaliação final da disciplina Português Aplicado ao TCCI, ministrada pelo Profº. José Jacinto Santos.











OLINDA
2013


 
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................04
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................................08
3 METODOLOGIA.........................................................................................................15
4 REFERÊNCIAS..........................................................................................................16






1INTRODUÇÃO

O mundo contemporâneo cada vez mais elege o hedonismo e o consumismo como objetivos de vida a serem alcançados, e em muitos casos, existe uma completitude entre ambos, favorecendo a obtenção do prazer ou evidenciando a recusa de um desprazer. Para o indivíduo de nossa Era, a tristeza e a frustração é algo da ordem do insuportável, que nem por um breve instante se admite sofrer, levando o mesmo a recorrer a intervenções químicas ou a alguma dependência que reestabeleça o prazer. Mas, como definir esse prazer tão obstinadamente procurado por esse sujeito contemporâneo? Estaria ele, além do princípio do prazer, a saber, do gozo insofreável, ou seja, da repetição desse gozo?  
            Como pensar em uma sociedade que é movida por essa demanda e que nem ao menos se dá conta dela? Por quais caminhos estamos trilhando e aonde iremos chegar? Dizer que a sociedade encontra-se em meio a uma anestesia de um pensar reflexivo sobre ela mesma não seria de tão arbitrário, assim, pois o que se observa é a perda da singularidade necessária ao crescimento de cada indivíduo em prol de um desejo que pertence ao Outro, que é apenas experimentado como se fosse próprio, ou seja, a cultura impõe ao sujeito acerca de como ele deve ser, viver, desejar e pensar, tendo como sustentação de vida, o prazer. 
            O termo hedonismo vem do grego que significa prazer. Esse termo foi tirado das teorias dos epicuristas e dos cirenaicos na Grécia antiga, baseando-se na ideia de que o prazer é o maior bem que o homem poderia ter. Ao contrário do que se busca na contemporaneidade, o prazer da carne e o gozo, os epicuristas acreditavam que os homens deviam buscar os prazeres da mente, e o sábio que evitasse os prazeres, mais tarde a falta desse prazer poderia lhe causar dor. Observamos, aí, uma total discrepância das representações dadas ao termo.
            O gozar leva à necessidade da repetição, da compulsão a repetição como funcionamento que produz prazer, mas não deixa de ser da ordem do inominável, do objeto impossível – das Ding, podendo levar a dependência e o retorno ao estado inorgânico. Portanto, estamos falando da pulsão de morte, que tem o sentido de retornar ao estado anterior de coisas, retornar ao inorgânico.
            Quando nos referimos às novas dependências, também queremos abordar as novas adicções que compreendem todas as formas de dependência nas quais pode ou não está implicada substância química, a saber, dependência do jogo de azar, da internet, de ver televisão, do sexo, da comida, de fazer compras e de enumeras outras que são observadas no cotidiano de qualquer cidade que sofra o mínimo de influência globalizante. O que provoca preocupação é que no dia a dia das pessoas tais comportamentos estão assumindo claras características patológicas, ou seja, levando ao adoecimento físico e mental.  
Segundo Guerreschi (2007, p. 19), “dependence indica a dependência física e química, a condição na qual o organismo necessita de uma determinada substância para funcionar, e por isso a quer”. Para o mesmo autor, “addiction indica uma condição geral na qual a dependência psicológica impele à procura de um objeto, sem o qual a vida se torna sem sentido”. No entanto, conforme Guerreschi, nem sempre as duas aparecem juntas. O que leva a pensar que pode existir uma forte necessidade de realizar algum tipo de comportamento significativo sem que ele seja uma dependência.
            O fato é de que mais e mais pessoas de uma forma ou de outra estão sofrendo de algum tipo de dependência, chegando alguns ao adoecimento físico e psicológico. Resta-nos pensar que o crescente quadro refere-se a uma necessidade de preencher algum vazio, de extravazar alguma ansiedade ou enfado, estimulando comportamentos que tragam prazer imediato, característica bem comum desse sujeito contemporâneo. Não deixando de lado que o avanço do progresso tecnológico possa contribuir nesse contexto, provocando novos hábitos que poderão ou não fomentar tais comportamentos. Portanto, problematizar todas as nuanças que envolvem o comportamento do homem contemporâneo, buscando compreender todo um contexto que ainda se apresenta como enigmático, é também uma forma de sinalização para o tratamento desse sujeito que adoece sem saber que está doente, que busca a satisfação sem ter limites, que deseja o que o Outro deseja, e por fim se é que existe um fim, que vive a angústia do que a cultura demanda e não sabe viver a demanda de sua própria singularidade, pois o mesmo não se esforça para saber quem de fato é, sujeito ou objeto. Ou, o que se procura é o que nunca irá encontrar, a saber, o objeto a.  
Dentre as muitas dependências consideradas adcitivas, focaremos a nossa pesquisa na adicção pelo sexo virtual ou dependência do sexo virtual, considerada uma dependência de grande complexidade de tratamento, mas, sobretudo, da dificuldade de reconhecimento do próprio dependente de que precisa de tratamento,  pois, satisfeita a necessidade pulsional do indivíduo através do contato com esse objeto de gozo, a resposta subjetiva desse sujeito será repetir ou refazer o mesmo caminho, com o desejo de encontrar a satisfação sentida pela primeira vez. Ativado esse mecanismo, a pessoa ficará fixada a essa posição de gozo sem querer sair desse lugar, criando, assim, as dependências do álcool e das drogas ilícitas, do sexo e de tantas outras.
O sexo como objeto de dependência não é nada inusitado, no entanto, endereçando a questão para as novas dependências e das adicções, o situamos na esfera do virtual. Existem, também, inúmeras outras que estão ligadas a essa instância, como a dependência de jogos, leilões, redes sociais, compras etc. Sem ser pelo virtual, encontramos a compulsão por compras, a dependência química de drogas lícitas e ilícitas etc.
            As novas dependências trazem consigo novos conceitos e, portanto, uma nova visão sobre as dependências. No entanto, as consequências negativas que são geradas provocam tão ou mais sofrimentos do que as já conhecidas.  Estamos falando de comportamentos compulsivos que dominam o indivíduo, afetando não apenas ele, mas quem estiver ao seu lado. A isso, observamos o adoecimento psíquico do sujeito que desencadeia também no cognitivo e no emocional.
A importância de uma contínua investigação sobre a temática representa também compreender melhor esse novo sujeito contemporâneo e quais são as causas que o levam a esse adoecimento. Inferir alguns aspectos de seu comportamento e de seu psicológico é tentar entender, por exemplo, a busca da satisfação sexual ou o estabelecimento de vínculos de relacionamentos sexuais. Em suma, é descrever um pouco desse imaginário, da falta de um vínculo de convivência pessoal e de outros fatores que se implicam direto ou indiretamente criando os sintomas dessa nova sociedade chamada contemporânea. Porque o que estamos lidando é uma dependência pelo sexo virtual: um gozo solitário que não necessita de parceiro. E quais serão as conseqüências desse gozo para a vida do sujeito e para quem está ao seu redor? Mas, antes de tudo, quem é esse sujeito dependente de uma forma de satisfação sexual quase sempre solitária e apenas visual? Seria um indivíduo que busca o fetichismo e o exibicionista, mas, sobretudo, o sigilo de suas preferências?
A isso, podemos mencionar a não obediência a Lei e a exaltação do imaginário, da fantasia. Esperamos no transcurso de nossa pesquisa responder tais questionamentos e, assim, contribuir com o meio científico, propriamente, dito, com a clínica psicológica com essa crescente demanda que é a dependência do sexo pelo virtual.
A dependência do sexo virtual trás para o indivíduo inúmeras consequências negativas que irão refletir no seu social e, sobretudo, em seu relacionamento familiar, com cônjuge, filhos e pais. É de salientar que nem toda dependência é compulsiva, mas que poderá vir a ser.  
            Uma dificuldade encontrada no tratamento clínico consiste na relação estabelecida por esse sujeito com seus próprios sintomas, tornando-o muitas vezes inacessível a um insight, ou seja, a uma interpretação das possíveis causas que o levaram a essa ou aquela dependência ou, a essa ou aquela representação imaginária que o conduz ao gozo. 
            Schaeffer cit. por GUERRESCHI (2007, p.16), “sustenta que o fulcro da dependência é a experiência subjetiva, o modo pelo qual o objeto muda a condição do indivíduo. A dependência não é um ‘vício’, nem uma doença, mas um processo que se instala quando uma pessoa, em contato com um objeto, experimenta-se de modo diferente e lê essa reestruturação de si mesmo como positiva e mais funcional”. Portanto, repetimos, satisfeita a necessidade pulsional do indivíduo através do contato com o objeto de gozo, a resposta subjetiva desse sujeito será  refazer o mesmo caminho, com o desejo unicamente de encontrar a satisfação sentida pela primeira vez. Tendo esse mecanismo ativado, a pessoa ficará fixada a  posição de gozo sem querer sair de lá, criando, assim, o avatar de todas dependências.
O sexo como objeto de dependência não é nada inusitado, no entanto, endereçando a questão para as novas dependências e das adicções, o situamos na esfera do virtual. Existem, também, inúmeras outras que estão ligadas a essa instância, como a dependência de jogos, leilões, redes sociais, compras etc. Sem ser pelo virtual, encontramos a compulsão por compras, a dependência química de drogas lícitas e ilícitas etc.  
            As novas dependências trazem consigo novos conceitos e, portanto, uma nova visão sobre as dependências. No entanto, as consequências negativas que são geradas provocam tão ou mais sofrimentos do que as já conhecidas.  Estamos falando de comportamentos compulsivos que dominam o indivíduo, afetando não apenas ele, mas quem estiver ao seu lado. A isso, observamos o adoecimento psíquico do sujeito que desencadeia também no cognitivo e no emocional.
            As multiformas de dependência que se instalam na sociedade mundial sacrifica a vida social do dependente e do co-dependente, ou seja, cônjuge, pais, filhos, amigos etc. O co-dependente assume o papel de salvador, mas o dependente tende a boicotar os esforços de seu “salvador”, por não entender o seu adoecimento ou, então, por não ter forças para superar sua dependência (compulsão).
         Estabelecemos como objetivo geral de nosso projeto, compreender melhor esse novo sujeito contemporâneo que busca o prazer ou o escoamento de suas angústias e ansiedades pela via da dependência compulsiva do sexo virtual. Quanto aos nossos objetivos específicos, buscaremos entender o adoecimento desse indivíduo que o afeta em seus laços familiares e de amizade, trazer o conceito de compulsão pelo viés da psicanálise e destacar as causas que levam a dependência pelo sexo virtual.
            As hipóteses que atribuímos a nossa pesquisa são elencadas a partir das seguintes indagações: o sujeito contemporâneo ao buscar a satisfação de seu prazer pode ficar escravo dessa satisfação, buscando meios que supram sua necessidade de sentir prazer? O prazer quando não bem elaborado pelo indivíduo poderá acarretar numa compulsão? As dependências compulsivas não estão atreladas apenas as dependências químicas?
            No transcurso de nosso trabalho esperamos responder todos esses questionamentos que poderão corresponder as nossas preocupações ou serem refutadas.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

         O mundo contemporâneo é, sobretudo, um mundo de eclosões tecnológicas que favorece a uma nova ótica de ver e experienciar a vida.  É uma era enigmática que rompeu drasticamente com o tradicional continuísmo cultural, estabelecendo  outras normas de condutas antes desconhecidas ou pouquíssimas usuais. A isso, observamos que o mundo atual, provavelmente contrapondo-se aos excessos de autoritarismo existente nos séculos passados, com o apoio da tecnologia, vem promovendo uma revolução dos costumes que sinaliza para uma homogeneização das diferenças, ou seja, para um mundo com pouquíssima singularidade, onde se hasteia a bandeira do tudo pode; do viver para gozar, não importando por qual via seja; do consumismo desenfreado quase ensandecido e pelos frágeis vínculos relacionais que se rompem com um simples delete de e-mail. Cardoso (1996, p. 67), “sugere que as mudanças processadas no modo de vida do homem e na organização da sociedade constituem um marco delimitado de duas épocas, rompendo com a ética e os valores antes professados”. No entanto, pelo entendimento de Da Point (2001), vivemos em uma


sociedade sem herança, de indivíduos órfãos de ideais e de verdades simbólicas que correm atrás da sedução das imagens que lhes são impostas de inúmeros modos. Na falta de identificações tentam arrumar uma identidade que lhes permita viver os instantes, identidades adotadas sem firmeza alguma, pois o mundo de hoje exige volatilidade, mudanças, trocas, descartabilidade. (DA POINT, 2001, p. 12).


            A impressão que fica diante de toda essa volatilidade é de que tudo que acontece está sobre uma espécie de plataforma giratória que se movimenta sobre um ângulo de 180º e de forma contínua e acelerada, provocando situações novas e surpreendentes de uma constante construção do comportamento e das relações humanas, sendo que, de uma forma bastante peculiar a esse sujeito. A isso, Bauman (2001) propõe a metáfora da liquidez, que para ele, descreveria bem a sociedade atual. Para o sociólogo, esta sociedade caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma, ou seja, as referências, estilo de vida, crenças, convicções e as próprias instituições estão mudando de forma tão rápida que não estaria dando tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades.  “Os sólidos suprimem o tempo; para os líquidos, ao contrário, o tempo é que importa” (BAUMAN, 2001, p.8). Conforme Levy, que faz uma leitura psicanalítica sobre os fenômenos sociais,


a transposição da psicanálise para o campo social está baseada na existência de uma memória, de um imaginário, de emoções coletivas que impregnam, conscientemente ou não, a psicologia dos indivíduos, e impõe sua lógica própria aos processos organizacionais e grupais. Sob esse aspecto, os “fatos sociais” podem ser objeto de processos de recalcamento, de esquecimento e, pois, de um trabalho de desenvolvimento ou de análise. Mas essa lógica não é única; o campo social comporta suas próprias regras, suas próprias leis, estudadas por outras disciplinas, que a psicanálise não pode ignorar ou subestimar (LEVY, 2001, p. 44).


            Freud (1856-1939), em muitos de seus escritos, menciona o elo existente entre a cultura e o inconsciente. Lacan (1958), ao fazer a releitura dos textos de Freud, introduziu o conceito do Outro, delimitando o campo do simbólico e do significante, afirmando que o inconsciente é o discurso do Outro. Será a partir dessa enunciação que ele dirá que, “quem não alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época, que o analista conheça bem o turbilhão que o arrasta na obra contínua de Babel, conhecendo sua função de interprete na discórdia das línguas (LACAN, 1953/1998, p.322).
            Quando Lacan enuncia que o inconsciente é o discurso do Outro, ele quer dizer que ele só se reveste nesse sentido na medida em que for remetido a outro significante, mas para isso é necessário que o sujeito faça parte da linguagem. Como o significante é um sinal, ele poderá ser um sinal de ausência, mas de ausência do Outro. Então, para que o indivíduo esteja estruturado pela lógica dos significantes, ele deverá estar inserido no simbólico, onde as palavras estão pelas coisas. Nesse propósito, ocorre o princípio da alteridade que é compreendida a partir do que é proposto por Lacan ao teorizar as dimensões dos três registros, a saber, o imaginário, o simbólico e o real, que se articulam construindo o nó borromeu. Portanto, o princípio da alteridade parte do pressuposto que é mediante o contato com o Outro que existirá o “eu-individual”, possuidor de uma singularidade própria. É a concepção de que todo homem social interage e interdepende de outros, ou seja, é um ser que pertencente ao social, interage e depende de seu meio para viver.
            No entanto, o que se observa é uma forte inclinação para o individualismo e o egocentrismo que, por sua vez, contribui na formação de indivíduos solitários e descompromissados de vínculos afetivos mais consistentes. De acordo com o pensamento de Birman (2003, p. 168), o que distingue a pós-modernidade é, sobretudo, a cultura do narcisismo e do espetáculo, na qual o individualismo e o autocentramento do sujeito tomam enormes proporções. Conforme o autor, “o indivíduo da atualidade procura a exaltação do eu e, utiliza-se de todo e qualquer modo de aparecer no cenário social seja através da estetização de sua aparência, ou do uso do Outro como fonte do próprio prazer” (Ibid., p. 246).
            O virtual é a maneira mais prática e cômoda de se relacionar e de se buscar prazer. É um não querer se dispor aos conflitos e as diferenças existentes numa relação compartilhada offline; é buscar o anonimato para ser outra pessoa ou para realizar fantasias, muitas, pervertidas; é conhecer todas as pessoas do mundo e ao mesmo tempo não conhecer ninguém; é reviver um antigo costume da infância e adolescência de escrever experiências cotidianas no diário, agora através das redes sociais, e tantas outras coisas que sujeito contemporâneo busca fazer apenas na companhia solitária de seu computador. Que fique claro que, o que estamos  frisando é a utilização do virtual de forma equivocada e destorcida, e não seu uso sadio que se coloca como uma importante ferramenta para inúmeras finalidades, haja vista a internet.
Fazer uma leitura sobre a dependência sexual pelo virtual ou a adicção sexual pelo virtual é compreender melhor sobre o fenômeno e seus vetores estressores que causam o próprio adoecimento do indivíduo.  
 Segundo Guerreschi (2007, p. 15), 


“a dependência atinge o indivíduo em vários níveis; no comportamental ela se manifesta pela procura de uma substância química ou pela repetição de um determinado comportamento; paralelamente, em nível psicológico, a pessoa é totalmente absorvida pelo objeto de sua dependência, de modo que não consegue evitá-lo e descuida-se do resto, das relações afetivas ao trabalho etc.”


            O virtual parece ser apenas parte de um grande novelo que demandaria outros aspectos, como o da cultura e da personalidade desse novo sujeito. Grosso modo, parece que o sujeito contemporâneo tenta com suas ações tamponar alguma falta; já, outros, buscam e só o além do princípio do prazer. Entretanto, ambos, por motivos e sentidos pertinentes às suas particularidades, estão experienciando cada vez mais e da forma que lhe convêm, o gozo. O sujeito contemporâneo é sem sombras de dúvidas muito pulsional e “irá se definir pelo real do corpo, da genética, dos psicofármacos, do sexo, da beleza, da velhice” (DA POIN, C. 2001, P. 14).
            Vive-se em um mundo que não se admite a menor angústia, o menor sofrimento, a menor tristeza que logo se busca o fim do mal-estar através da química. A cultura atual dentre outras coisas posiciona-se contra a qualquer tipo de mal-estar, o que nos deixa intrigado se isso de fato é possível e nos reporta a dois questionamentos: que tipo de estrutura psíquica é essa que não suporta a mínima angústia, a mínima tristeza, o mínimo mal-estar que logo parte para a medicalização? Que sujeito é esse que não suporta sofrer? Que indivíduo é esse que para se livrar de algum mal-estar recorre as mais variadas dependências que, pelas repetições, tornam-se compulsivas? Afinal de contas, o mal-estar representa fator constitutivo do sujeito, pois significa algo de sua realidade e pelo que se parece, deseja-se a todo custo fugir de qualquer realidade que traga infortúnios.
Segundo Melman (1992, p. 141), “as coisas começam a ir mal quando há um movimento de ideias, de modificações éticas que começam a dizer que o mal-estar não é um bem”. A isso, leva-nos depreender que o sujeito contemporâneo não busca se conhecer em sua integralidade, corpo e mente. Isto, porque é preferível a fuga ao doloroso embate de se reconhecer no sujeito do inconsciente, onde serão reveladas suas verdades, retendo-se, assim, apenas a subserviência de seu discurso consciente que é muito mais prazeroso.  
            O consumo apresenta-se como um dos grandes imperativos desse novo tempo, ou seja, como um fenômeno que representa a lógica do moderno hedonismo, a saber, a busca incessante do prazer. Debord (2006, p. 45) faz um neologismo interessante entre o consumo e a dita por ele “sociedade do espetáculo”. O autor menciona um mundo regido pela economia do consumo, tendo a mercadoria como centro absoluto da vida social, gerando a passagem do ser para o ter. Os objetos substituiriam os valores éticos, onde ocorre uma ininterrupta fabricação de “pseudo-necessidades”. O filósofo demarca a contemporaneidade centrando o triunfo do individualismo em associação ao consumo e como demanda incessante de prazer, criando modelos de subjetivação que acentuam a “exterioridade” e “autocentramento” (p.108).
            O pensar de Debord só corrobora com o que se observa na realidade, um consumo desenfreado que objetiva uma busca voraz pela satisfação do que pelo que de fato é desejado, uma vez satisfeito em sua demanda, logo se projeta a substituição por outro desejo. Agora, que fique bem claro que a expansão que atualmente é dada ao consumo não se restringe a compras, mas de uma forma mais genérica o que mais se consume é a imagem, que poderá ser de algum objeto, um objeto quase sempre de fetiche, e a imagem do outro, como forma de encontrar o significado da própria existência. Em suma, para que se possa sentir a prolongação de uma satisfação, consome mais e mais. Portanto, estamos falando do mesmo mecanismo existente na dependência das drogas, ou seja, da repetição, da compulsão. 
            Recorrermos ao dizer de Freud, quando (1930/1974) ele dizia que,


o que chamamos de felicidade no sentido mais restrito provém da satisfação (de preferência, repentina) de necessidades representadas em alto grau, sendo, por sua natureza, possível apenas com uma manifestação episódica. Quando qual que situação desejada pelo princípio do prazer se prolonga, ela produz tão-somente um sentimento de contentamento muito tênue (FREUD, 1930/1974, p. 95)


            Portanto, é por ter um sentimento de contentamento muito tênue que logo é dissipado, que o sujeito correrá atrás de repetir a ou as experiências que o levaram a satisfação ou, mesmo, partir para outras, já que uma compulsão poderá motivar o surgimento de outras em uma sistemática migratória que favoreça a manutenção da satisfação, ou melhor, dizendo, do gozo, a saber, recorrendo ao consumo das drogas lícitas como as bebidas alcoólicas, extremamente propagadas mela mídia, ou  das drogas ilícitas como a maconha, cocaína, heroína, crack, ecstasy, LSD e tantas outras. 
            Farah (2002) assinala uma completa inversão na atualidade do que preconizou Freud sobre a noção de felicidade efêmera:


[...] o sujeito hoje não hesita em trocar segurança por felicidade imediata. Com a depreciação da história e ênfase no presente, a satisfação não pode ser depositada no futuro. Tem que ser consumida instantaneamente. A passagem da sociedade moderna pode ser entendida a partir do deslocamento sugerido por Zygmunt Bauman: a passagem da ética do trabalho para a estética do consumo. (FARAH, 2002, p. 41).


            Diante de tudo que foi exposto fica patente à pressa que o sujeito contemporâneo tem em querer se satisfazer, não importando como, e também que o móbil muitas vezes é pela via do devaneio ou da fantasia, colocando-se em um lugar de extrema supremacia narcísica. A satisfação poderá ocorrer única e exclusivamente pela solidão de seu imaginário, através, por exemplo, numa sala de bate-papo, em um cybersexo, nos jogos, leilões e em toda forma de consumo. 
            Outro aspecto imperativo nos dias atuais é o da evitação a qualquer tipo de sofrimento, seja ele qual for, e para isso, o melhor caminho a ser tomado é o de recorrer à química. Quando, não, busca-se eliminar o mal-estar através de uma satisfação imediata, pois o sujeito contemporâneo age levado pelo imediatismo das coisas, procurando, então, um meio, um escape para sua tensão.
            A isso, observa-se que a instância proibitiva representada pelo supereu que deveria internalizar a cultura e as leis, legitimando, assim, sua função de censura. Hoje, parece estar em forte decadência ou a serviço das pulsões. Provavelmente, em decorrência pelo declínio social da imago paterna. A exigência de satisfazer as pulsões é o que prevalece no mundo contemporâneo, mesmo que para isso se chegue ao adoecimento das compulsões severas, quer através da química ou não. Abre-se, então, as portas para as novas compulsões, compreendidas como adicção.        A palavra “adicção” tem sua origem etimológica no antigo Império Romano, conforme apontam alguns antropólogos e historiadores. Adicção, na lei Romana, segundo a enciclopédia francesa do século XVIII de Diderot e D’ Alembert, “é a ação de fazer passar ou de transferir bens a um outro, seja por sentença de uma corte, seja por via de venda àquele que oferece mais”(1751/1988, p. 128).
            O termo adicção, objetivando o seu aspecto prático atual, extraia da ideia de submissão à dominação de alguém para formar o sentido de escravidão a uma dependência compulsiva. A essa dependência é que a investigação de nossa pesquisa se pautará, buscando aspectos norteadores que nos façam compreender melhor a sujeição e escravização desses sujeitos a essa modalidade de dependência, a isso fazendo uma breve análise do social e de quais são as implicações desse contexto para o psicológico e vice-versa.
No decorrer de nosso texto ficou claro que as adicções, mesmo que em algumas não sejam impulsionadas pela química, não deixam de funcionar como uma droga que provoca a dependência e a compulsão. No que se refere à adicção sexual pelo virtual, o vínculo da dependência compromete extremamente a pessoa e, dependendo do nível de comprometimento que atingiu, o dependente não mais se preocupa ou fica mais relapso em suas práticas, podendo ser flagrado por outras pessoas, principalmente pelas mais próximas em pleno ato masturbatório. A ocorrência de tal fato mostra o quanto esse sujeito está adoecido.

3 METODOLOGIA

            Podemos chamar de metodologias os conjuntos de métodos empregados para que se possa desenvolver qualquer atividade. De acordo com as afirmações de Gonsalves (2001), “a questão metodológica é ampla e indica um processo de construção”. A metodologia de pesquisa norteará a pesquisa, a fim de atingir os objetivos propostos. O objeto de pesquisa, diz respeito a produzir uma leitura psicanalítica da dependência sexual pelo virtual ou a adicção sexual pelo virtual. A nossa investigação será segmentada pelos sólidos fundamentos da psicanálise Freud-Lacaniana e autores contemporâneos.
            A abordagem metodológica que guiará o presente estudo é de natureza predominantemente bibliográfica, pois como afirma Lakatos e Marconi (1987):


a pesquisa bibliográfica trata-se do levantamento, seleção e documentação de toda bibliografia já publicada sobre o assunto que está sendo pesquisado, em livros, revistas, jornais, boletins, monografias, teses, dissertações, material cartográfico, com o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo o material já escrito sobre o mesmo. (LAKATOS & MARCONI, 1987, p. 66).


Portanto, optamos por uma pesquisa que possibilite a construção de um corpo de conhecimentos relacionados à temática, objetivando, assim, fazer uma leitura analítica das questões elencadas em nossa investigação. Tendo em vista a realização de uma leitura analítica, esta por si só também compreenderá uma reflexão sobre a temática de nossa pesquisa. Trabalharemos com autores consagrados em seus saberes que abordam a temática com uma profunda precisão e sapiência, autores como Guerreschi em foca com uma precisão cirúrgica a questão da dependência pelo sexo virtual.  Debord, Bauman e Birman fazem uma leitura ampla sobre a pós-modernidade e como se situam os indivíduos desta época. Freud e Lacan embasam os conceitos psicanalíticos tão necessários em nosso discurso e leitura sobre o tema.    

4 REFERÊNCIAS

ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do Trabalho Científico: elaboração de trabalhos na graduação . 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CARDOSO, A. M. P. Pós-modernismo e informação: conceitos complementares? Perspectiva em ciência da informática, v.1, n 1, 1996. Disponível em <http: //www.eci.ufmg.br/pcionline/include/getdoc.php?id=394 & artide: 6 & mod e = pdf >. Acesso em 28 de outubro 2012.

DA POINT, C. A psicanálise, o sujeito e o vazio contemporâneo. Inc. Da Point (org), Formas do Vazio: desafios ao sujeito contemporâneo. Rio de Janeiro: Via Lettera, 2001.

DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.

DIDEROT; D’ALEMBERT. Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences des arts et des métiers (1751). Stuttgart – Bad Cannstatt: Friedrich Frommann Verlag (Güinthes Holzboog), 1988. V. I. Trecho traduzido por Victor Eduardo Silva Bento.

FARAH, B. L. A pós-modernidade e as novas exigências à escuta clínica. Pulsional Revista de Psicanálise, vol. 15, nº. 156, abr: 2002.

FREUD, S. O mal-estar na civilização. In: Edição Standard Brasileira das Obras  Completas de Sigmund Freud, vol. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1974. 

GONSALVES, Elisa Pereira. Escolhendo o percurso metodológico. In: Conversas sobre iniciação à pesquisa. São Paulo: Alínea, 2001.

GUERRESCHI C. New Addictions: As novas dependências. São Paulo: Paulus, 2007.

LACAN, J.  [1953]. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro, 1998.

_________ [1958]. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro, 1998.

_______________.  A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro, 1998.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1987.

MELMAN, Charles. Alcoolismo, delinqüência, toxi-comania: uma outra forma de gozar. São Paulo: Es-cuta, 1992.