sábado, 13 de julho de 2013

A CÉU ABERTO: VIDA SEM PRIVACIDADE


* Por Jorge Roberto Fragoso Lins

O mundo atual demonstra demandar uma excessiva exposição da imagem pessoal das pessoas e, consequentemente, de uma não privacidade, permitida ou não pelos seus atores. Não restam dúvidas que parte dessa exposição tem um caráter preventivo contra os mais variados tipos de violência urbana, a saber, as câmeras que filmam o passo a passo das pessoas que transitam pelas ruas, nos supermercados, nos shoppings e em tantos outros lugares. Entretanto, está em voga o desejo narcísico de colocar a imagem pessoal em evidência, haja vista as exposições através das redes sociais e dos reality shows que invadem as telas das televisões do mundo inteiro. Neste caso, estamos falando de uma exposição que é objeto de prazer e que alimenta e expande o ego.

No que se refere aos reality shows a imagem está associada a um símbolo de sedução que busca envolver o telespectador ao personagem que é criado e representado pelo participante, afinal de contas este é o jogo a ser jogado por todos e esta é a finalidade do entretenimento.   

A exposição da imagem quando é intencional, como já mencionamos, alimenta e expande o ego, provocando um bem-estar narcísico no indivíduo. Mas, quando esta exposição com a quebra total de privacidade for em decorrência de um abandono social, que sentimento ou, melhor dizendo, quais sentimentos seriam experimentados por essa pessoa? É aqui que adentram os sujeitos que a sociedade mais do que designou de moradores de rua e que aqui, neste texto, estão sendo chamados por indivíduos que vivem a céu aberto e levam uma vida sem privacidade.

Categorizar um sentimento que parte de um sujeito que é um ser individual e por si só possui a inerência de uma subjetividade que é só sua, não nos move a determinar o que se passa no íntimo desse sujeito como se fosse cabível uma análise generalizada que viesse detectar a subjetividade de cada pessoa, pois cada indivíduo reage as mais diversas situações de sua maneira. No entanto, não fugiríamos muito desta realidade psíquica se disséssemos que cada indivíduo vivenciaria a sua maneira uma cadeia de sentimentos e representações que margearia o sentimento de inferioridade, de fracasso, de revolta, de abandono e de uma angustiante intrusão de todos em relação a ele e a sua imagem.

Ao contrário dos primeiros atores que mencionamos, o morador de rua experimentaria um empobrecimento de seu ego, podendo levá-lo a uma possível depressão no primeiro momento que se defrontasse com a realidade de viver na rua e de ter sua imagem exposta para todos e o pior, a todo instante. Ainda no primeiro momento, pressupondo que um dia o indivíduo teve casa, emprego e as condições financeiras necessárias para suprir o seu sustento e o de sua família, e subitamente se defronta com a nova realidade, esse indivíduo também vivenciará um sentimento de luto pela morte de sua vida anterior. Esse luto também se estenderia a sua própria pessoa, como sujeito que é alienado a uma severa cultura capitalista e preconceituosa que dita às regras de como se deve ser e viver.

            Sua imagem tornar-se-ia pública, no entanto, desfocada ao olhar do outro. Com o tempo, a vivência das ruas e a certeza do abandono vão sugando o sentimento que antes ele tinha de (se importar de ter sua imagem vista a todo instante) e o indivíduo sofreria um esvaziamento de seus preceitos. Essa exposição não mais o incomodaria ou, pelo menos, não o incomodaria tanto como antes. A valer tal condição, constata-se que houve duas mortes, a do morador de rua, que se anulou como pessoa, sendo subtraído em seus direitos, e a da sociedade, que fez morrer um cidadão.

Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia*

Artigo publicado no Jornal Diario de Pernambuco na edição de 16/08/2012.

Este artigo fez parte da prova de português do vestibular 2013 da Faculdade ASCES.


Um comentário:

  1. Muito interessante e bem articulado. Parabéns! Maria Adeleide Pontes - Psicanalista e escritora

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