Fonte: http://blogdochicofurriel.blogspot.com.br/2010/09/midia-e-mundo-contemporaneo-questao-da.html
O mundo contemporâneo é,
sobretudo, um mundo de eclosões tecnológicas que favorece a uma nova ótica de
ver e experienciar a vida. É uma era
enigmática que rompeu drasticamente com o tradicional continuísmo cultural,
estabelecendo outras normas de condutas antes desconhecidas ou pouquíssimas
usuais. A isso, observamos que o mundo atual, provavelmente contrapondo-se aos
excessos de autoritarismo existente nos séculos passados, com o apoio da
tecnologia, vem promovendo uma revolução dos costumes que sinaliza para uma
homogeneização das diferenças, ou seja, para um mundo com pouquíssima
singularidade, onde se hasteia a bandeira do tudo pode; do viver para gozar,
não importando por qual via seja; do consumismo desenfreado quase ensandecido e
pelos frágeis vínculos relacionais que se rompem com um simples delete de
e-mail. Cardoso (1996, p. 67), “sugere que as mudanças processadas no modo de
vida do homem e na organização da sociedade constituem um marco delimitado de
duas épocas, rompendo com a ética e os valores antes professados”.
No
entanto, pelo entendimento de Da Point (2001),
vivemos em uma sociedade sem herança,
de indivíduos órfãos de ideais e de verdades simbólicas que correm atrás da
sedução das imagens que lhes são impostas de inúmeros modos. Na falta de
identificações tentam arrumar uma identidade que lhes permita viver os
instantes, identidades adotadas sem firmeza alguma, pois o mundo de hoje exige
volatilidade, mudanças, trocas, descartabilidade. (DA POINT, 2001, p. 12)
A
impressão que fica diante de toda essa volatilidade é de que tudo que acontece
está sobre uma espécie de plataforma giratória que se movimenta sobre um ângulo
de 180º e de forma contínua e acelerada, provocando situações novas e
surpreendentes de uma constante construção do comportamento e das relações
humanas, sendo que, de uma forma bastante peculiar a esse sujeito. A isso,
Bauman (2001) propõe a metáfora da liquidez, que para ele, descreveria bem a
sociedade atual. Para o sociólogo, esta sociedade caracteriza-se pela
incapacidade de manter a forma, ou seja, as referências, estilo de vida,
crenças, convicções e as próprias instituições estão mudando de forma tão
rápida que não estaria dando tempo de se solidificar em costumes, hábitos e
verdades. “Os sólidos suprimem o tempo;
para os líquidos, ao contrário, o tempo é que importa” (BAUMAN, 2001, p.8).
Conforme Levy, que faz uma leitura psicanalítica sobre os fenômenos sociais,
a transposição da psicanálise para o
campo social está baseada na existência de uma memória, de um imaginário, de
emoções coletivas que impregnam, conscientemente ou não, a psicologia dos
indivíduos, e impõe sua lógica própria aos processos organizacionais e grupais.
Sob esse aspecto, os ‘fatos sociais’ podem ser objeto de processos de
recalcamento, de esquecimento e, pois, de um trabalho de desenvolvimento ou de
análise. Mas essa lógica não é única; o campo social comporta suas próprias
regras, suas próprias leis, estudadas por outras disciplinas, que a psicanálise
não pode ignorar ou subestimar (LEVY, 2001, p. 44).
Freud
(1856-1939) em muitos de seus escritos menciona o elo existente entre a cultura
e o inconsciente. Lacan (1958) ao fazer a releitura dos textos de Freud,
introduziu o conceito do Outro, delimitando o campo do simbólico e do
significante, afirmando que o inconsciente é o discurso do Outro.
Quando
Lacan enuncia que o inconsciente é o discurso do Outro, ele quer dizer que ele
só se reveste nesse sentido na medida em que for remetido a outro significante,
mas para isso é necessário que o sujeito faça parte da linguagem. Como o
significante é um sinal, ele poderá ser um sinal de ausência, mas de ausência
do Outro. Então, para que o indivíduo esteja estruturado pela lógica dos
significantes, ele deverá estar inserido no simbólico, onde as palavras estão
pelas coisas. Nesse sentido, destacaríamos as dimensões dos três registros, a
saber, o imaginário, o simbólico e o real que ao se articularem construirão o
nó borromeu.
Quando
nos reportamos ao discurso do outro não podemos deixar de salientar que o
princípio da alteridade parte do pressuposto que é mediante o contato com o
Outro que existirá o “eu-individual, possuidor de uma singularidade própria. É
a concepção de que todo homem social interage e interdepende de outros, ou
seja, é um ser que pertencente ao social, interage e depende de seu meio para
viver.
No
entanto, o que se observa é uma forte inclinação para o individualismo e o
egocentrismo que, por sua vez, contribui na formação de indivíduos solitários e
descompromissados de vínculos afetivos mais consistentes. De acordo com o
pensamento de Birman (2003, p. 168), o que distingue a pós-modernidade é,
sobretudo, a cultura do narcisismo e do espetáculo, na qual o individualismo e
o autocentramento do sujeito tomam enormes proporções. Conforme o autor, “o
indivíduo da atualidade procura a exaltação do eu e, utiliza-se de todo e
qualquer modo de aparecer no cenário social seja através da estetização de sua
aparência, ou do uso do Outro como fonte do próprio prazer” (Ibid., p. 246).
O
virtual é a maneira mais prática e cômoda de se relacionar e de se buscar
prazer. É um não querer se dispor aos conflitos e as diferenças existentes numa
relação compartilhada online; é
buscar o anonimato para ser outra pessoa ou para realizar fantasias, muitas,
pervertidas; é conhecer todas as pessoas do mundo e ao mesmo tempo não conhecer
ninguém; é reviver um antigo costume da infância e adolescência de escrever
experiências cotidianas no diário, agora através das redes sociais, e tantas
outras coisas que sujeito contemporâneo busca fazer apenas na companhia
solitária de seu computador. Que fique claro que, o que estamos frisando é a utilização do virtual de forma
equivocada e destorcida, e não seu uso sadio que se coloca como uma importante
ferramenta para inúmeras finalidades, haja vista a internet.
O
virtual parece ser apenas parte de um grande novelo que demandaria outros
aspectos, como o da cultura e da personalidade desse novo sujeito. Grosso modo,
parece que o sujeito contemporâneo tenta com suas ações tamponar alguma falta;
já, outros, buscam e só o além do princípio do prazer. Entretanto, ambos, por
motivos e sentidos pertinentes às suas particularidades, estão experienciando
cada vez mais e da forma que lhe convêm, o gozo. O sujeito contemporâneo é sem
sombras de dúvidas muito pulsional e “irá se definir pelo real do corpo, da
genética, dos psicofármacos, do sexo, da beleza, da velhice” (DA POINT, 2001,
p. 14).
Vive-se em um mundo que não
se admite a menor angústia, o menor sofrimento, a menor tristeza que logo se
busca o fim do mal-estar através da química. A cultura atual dentre outras
coisas posiciona-se contra a qualquer tipo de mal-estar, o que nos deixa
intrigado se isso de fato é possível e nos reporta a dois questionamentos: que
tipo de estrutura psíquica é essa que não suporta a mínima angústia, a mínima
tristeza, o mínimo mal-estar que logo parte para a medicalização? Que sujeito é
esse que não suporta sofrer? Que indivíduo é esse que para se livrar de algum
mal-estar recorre as mais variadas dependências que, pelas repetições,
tornam-se compulsivas? Afinal de contas, o mal-estar representa fator
constitutivo do sujeito, pois significa algo de sua realidade e pelo que se
parece, deseja-se a todo custo fugir de qualquer realidade que traga
infortúnios. Segundo Melman (1992, p. 141), “as coisas começam a ir mal quando
há um movimento de ideias, de modificações éticas que começam a dizer que o
mal-estar não é um bem”. A isso,
leva-nos depreender que o sujeito contemporâneo não busca se conhecer em
sua integralidade, corpo e mente. Isto, porque é preferível a fuga ao doloroso
embate de se reconhecer no sujeito do inconsciente, onde serão reveladas suas
verdades, retendo-se, assim, apenas a subserviência de seu discurso consciente
que é muito mais prazeroso.
O
consumo apresenta-se como um dos grandes imperativos desse novo tempo, ou seja,
como um fenômeno que representa a lógica do moderno hedonismo, a saber, a busca
incessante do prazer. Debord (2006, p. 45) faz um neologismo interessante entre
o consumo e a dita por ele “sociedade do espetáculo”. O autor menciona um mundo
regido pela economia do consumo, tendo a mercadoria como centro absoluto da
vida social, gerando a passagem do ser
para o ter. Os objetos
substituiriam os valores éticos, onde ocorre uma ininterrupta fabricação de
“pseudo-necessidades”. O filósofo demarca a contemporaneidade centrando o
triunfo do individualismo em associação ao consumo e como demanda incessante de
prazer, criando modelos de subjetivação que acentuam a “exterioridade” e
“autocentramento” (p.108).
O
pensar de Debord só corrobora com o que se observa na realidade, um consumo
desenfreado que objetiva uma busca voraz pela satisfação do que pelo que de
fato é desejado, uma vez satisfeito em sua demanda, logo se projeta a
substituição por outro desejo. Em suma, para que se possa sentir a prolongação
de uma satisfação, consome mais e mais. Portanto, estamos falando do mesmo
mecanismo existente na dependência das drogas, ou seja, da repetição, da
compulsão.
Recorrendo
a psicanálise, Freud dizia que,
O que chamamos de felicidade no
sentido mais restrito provém da satisfação (de preferência, repentina) de
necessidades representadas em alto grau, sendo, por sua natureza, possível
apenas com uma manifestação episódica. Quando qual que situação desejada pelo
princípio do prazer se prolonga, ela produz tão-somente um sentimento de
contentamento muito tênue (FREUD, 1974, p. 95).
Portanto,
é por ter um sentimento de contentamento muito tênue que logo é dissipado, que
o sujeito correrá atrás de repetir a ou as experiências que o levaram a
satisfação ou, mesmo, partir para outras, já que uma compulsão poderá motivar o
surgimento de outras em uma sistemática migratória que favoreça a manutenção da
satisfação, ou melhor, dizendo, do gozo, a saber, recorrendo ao consumo das
drogas lícitas como as bebidas alcoólicas, extremamente propagadas mela mídia,
ou das drogas ilícitas como a maconha, cocaína, heroína, crack, ecstasy, LSD e
tantas outras.
Farah
(2002, p. 41) assinala uma completa inversão na atualidade do que preconizou
Freud sobre a noção de felicidade efêmera:
[...] o sujeito hoje não hesita em
trocar segurança por felicidade imediata. Com a depreciação da história e
ênfase no presente, a satisfação não pode ser depositada no futuro. Tem que ser
consumida instantaneamente. A passagem da sociedade moderna pode ser entendida
a partir do deslocamento sugerido por Zygmunt Bauman: a passagem da ética do
trabalho para a estética do consumo.
Diante
de tudo que foi exposto fica patente à pressa que o sujeito contemporâneo tem
em querer se satisfazer, não importando como, e também que o móbil muitas vezes
é pela via do devaneio ou da fantasia, colocando-se em um lugar de extrema
supremacia narcísica. A satisfação poderá ocorrer única e exclusivamente pela
solidão de seu imaginário, através, por exemplo, numa sala de bate-papo, em um cybersexo, nos jogos, leilões e em toda
forma de consumo.
Outro
aspecto imperativo nos dias atuais é o da evitação a qualquer tipo de
sofrimento, seja ele qual for, e para isso, o melhor caminho a ser tomado é o
de recorrer à química. Quando, não, busca-se eliminar o mal-estar através de
uma satisfação imediata, pois o sujeito contemporâneo age levado pelo imediatismo
das coisas, procurando, então, um meio, um escape para sua tensão.
A
isso, observa-se que a instância proibitiva representada pelo supereu que
deveria internalizar a cultura e as leis, legitimando, assim, sua função de
censura. Hoje, parece estar em forte decadência ou a serviço das pulsões.
Provavelmente, em decorrência pelo declínio social da imago paterna. A
exigência de satisfazer as pulsões é o que prevalece no mundo contemporâneo,
mesmo que para isso se chegue ao adoecimento das compulsões severas, quer
através da química ou não. Abre-se, então, as portas para as novas compulsões,
compreendidas como adicção. A palavra “adicção”
tem sua origem etimológica no antigo Império Romano, conforme apontam alguns
antropólogos e historiadores. Adicção, na lei Romana, segundo a enciclopédia
francesa do século XVIII de Diderot e D’ Alembert, “é a ação de fazer passar ou
de transferir bens a um outro, seja por sentença de uma corte, seja por via de
venda àquele que oferece mais”(DIDEROT; D’ALEMBERT, 1751/1988, p. 128).
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